HOMEM DE FERRO : VÍRUS
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Trago notícias que valem uma comemoração: Madame Hidra morreu! Madame Hidra
morreu! Madame Hidra morreu! A Hidra não mais trabalha segundo a cegueira
tirânica dela; nem vocês, soldados da Hidra, marcham para suas mortes para
satisfazer seus caprichos. Madame Hidra morreu! Mas a Hidra vive. A Hidra cresce.
Sua cabeça foi cortada, mas outra cresce em seu lugar, mais forte e melhor do que a
última. Eu sou essa cabeça. Eu sou seu guia. Vou recriar vocês à minha imagem, a
imagem à qual a Hidra sempre aspirou. Juntos, seremos o colosso de muitas
cabeças que finalmente alcançará os objetivos que aqueles líderes mais fracos
visualizaram. Eles não conseguiram levar suas visões a cabo; nós conseguiremos. A
Hidra conseguirá. Um novo tempo começou, nascido do fogo e das cinzas do fim
do antigo. Uma nova Hidra ergue-se, resoluta e indomável, graças ao corte das
cabeças mais fracas, que por tanto tempo os desencaminharam. Agora, vamos nos
erguer para reivindicar o que é nosso, reivindicar à força o que por tanto tempo foi
visado, mas falho devido à fraqueza. Vocês são a Hidra! Eu sou a Hidra! Nós somos
a Hidra!Sobre o teto cheio de lixo e fuligem de uma fábrica de chocolate abandonada,
Arnim Zola observava a bola de fumaça no limpo céu azul.
– Excelente – disse ao seu clone, que, num acesso de capricho literário,
batizou de Maheu. – Assim termina a vida irritante de Madame Hidra.
– A não ser que ela tenha chegado atrasada ao aeroporto – disse Maheu.
Na tela de televisão que dominava a fronte do tronco de Zola, seu rosto
franziu o cenho.
– Não chegou. Fui informado.
– Esse informe confirmou que ela pegou o avião? – perguntou o clone. – Você
ouviu exatamente que todos a bordo dos dois aviões morreram?
– Seres humanos não sobrevivem a colisões em pleno ar entre aviões que
viajam a centenas de quilômetros por hora – disse Zola.
– Geralmente não – Maheu concordou. – Mas mesmo assim.
Zola reconsiderou, por um instante, a ideia de clonar a si mesmo. O intento
seria de ter um clone que fosse um bom conselheiro, igual em intelecto, mas
socializado de modo a se crer subordinado a ele. O que parecia ter acontecido,
infelizmente, foi que o clone interpretara seu papel diferentemente do planejado.
A criatura era meticulosamente crítica, contrária e frequentemente
desrespeitosa. Zola sustentava uma teoria secreta de que algo dera errado com o
clone durante sua infância acelerada, e que ele se ressentia das modificações
feitas em sua forma humana original. Sua caixa de PES era muito menos poderosa
que a de seu criador.Talvez, pensou Zola – e não pela primeira vez –,o clone teria
preferido ser um humano normal.
Mas isso era impossível. Até uma segunda iteração de Arnim Zola não
poderia ser normal. Muito pelo contrário. Zola criara milhares de clones normais –
e muitos milhares de acidentes subnormais. Eram diferentes das tentativas mais
focadas de recriar uma versão de si mesmo que lhe fosse útil. Maheu era o
melhor, até então, de todos.
Apesar de seu irritante pessimismo.
– É bom demais para ser verdade, de fato – disse Maheu. – Infiltrar e usurpar
uma organização tão nebulosa quanto a Hidra em questão de meses? Certamente
existe algo que não notamos.
– Certamente? – Zola repetiu. – Se tem tanta certeza assim, talvez possa me
dizer o que é.
– Tem certeza de que subornou todos os funcionários da Hidra?
– Dentre os funcionários que faltaram não há nenhum com capacidade de
iniciativa. Muito menos o tipo e brio necessários para resistir ao nosso domínio.
Tente discordar.
– Não posso discordar – disse Maheu. – Mas nem confirmar que você está
certo. É isso mesmo que estou tentando dizer.
Zola pensou que, se havia uma única coisa de que sentia falta em trabalhar
com o Führer, era o espírito prático. Não havia nada dessa enrolação filosófica
durante o Reich. Via-se o que era necessário e fazia-se o que era necessário. Foi
uma pena que as opiniões irracionais do Führer nas questões do front russo e dos
judeus acabassem por desfazer o que poderia ter sido um ambiente dos mais
propícios para a busca da ciência da dominação.
Os eventos se desdobraram de modo diverso, contudo, e Zola aprendera a
trabalhar com os materiais que tinha em mãos. Quando a oportunidade na Hidra
se apresentou, ele enxergou seu potencial e tomou decisões com base nessa
apreciação… com – era preciso admitir – os valorosos, embora obscuros, conselhos
de Maheu.
Como este emergia do processo de clonagem com uma personalidade tão
diferente da de Zola era um problema científico de deliciosa complexidade. Se
estivesse em posição de fazê-lo, Zola teria publicado os resultados e recebido
aplausos justificados. Considerara brevemente clonar-se mais uma vez no intuito
de instalar o produto numa universidade onde ele poderia tornar conhecidos os
resultados mais instigantes de sua pesquisa. O tempo e as circunstâncias, porém,
não permitiram tal luxo, o que estimulara ainda mais o apetite de Zola para a
conclusão de seus planos com a Hidra. Assim que atingisse o pináculo de seu
poder, nenhuma instituição de saber ou fundação acadêmica poderia dar-se ao
luxo de ignorá-lo – não importando o que dissesse.
Este era um objetivo pelo qual valia a pena lutar. Uma coisa era reconhecer e
aceitar a megalomania de alguém, e Zola era certamente megalomaníaco; mas
canalizar a megalomania de alguém num projeto que beneficiaria a humanidade…
seria maravilhoso! E qual seria a mais elevada expressão da humanidade senão o
avanço da ciência? E qual seria o maior avanço da ciência senão a criação de uma
raça melhor de seres humanos, que, por sua vez, criariam outra ainda melhor?
Mas como todos os planos, este dependia de uma progressão cuidadosamente
construída de passos. Zola tinha o know-how científico. Criara seu primeiro clone
em 1940, e refinara o processo continuamente desde então. O segundo estágio,
tomar o poder onde ele não lhe era concedido – isso o desiludira. Em retrospecto,
ele até ria de alguns dos equívocos anteriores, por mais dolorosos e vergonhosos
que tenham sido. Aprendera lições valorosas, e estava empolgado para empregá-
las. Assim que a Hidra estivesse sob seu controle total, passaria para o estágio
seguinte do plano: a eliminação de oponentes conhecidos e a prevenção para
evitar que surgissem novos.
Um pio baixinho que emanou de dentro da caixa de PES, inaudível para
qualquer um a não ser Zola, notificou a chegada de um comunicado.
– Verificamos que o alvo adentrou o avião, Mestre – disse o operativo que
Zola instalara no aeroporto de Islip para controlar os funcionários da torre.
Desconectou antes que Zola pudesse responder, exatamente como fora instruído.
– E essa foi sua confirmação, Maheu – disse Zola. – Ela estava no avião. Acha
que devemos esperar que o corpo dela seja encontrado aos pedaços antes de
comemorar?
Dentro da fábrica abandonada, caminhando do lado de fora do centro de
comando cuja construção supervisionara pessoalmente, Zola assistia seus clones
trabalhando. Onde antes eram produzidas trufas e bombons, ele guiava a
recriação de seu grande projeto, o empreendimento que cimentaria de uma vez
por todas o domínio da Hidra sobre a oposição, valorosa, porém condenada.
Assistira e aprendera com o duelo travado pela Hidra com a S.H.I.E.L.D. e o
Homem de Ferro um ano antes. Quando a poeira do confronto começara a
assentar, ele agiu do modo que se espera de um executivo predador quando vê
um ativo problemático, porém de valor: rápida e impiedosamente. A estrutura de
comando remanescente da Hidra foi habilmente derrubada, seus ranques
esvaziados, reabastecidos por operativos de sua própria criação. Com a
confirmação da morte de Madame Hidra, para sua satisfação, o controle sobre a
Hidra estava completo.
A caixa de PES sussurrava e respirava os comunicados e pensamentos de seus
subalternos. Em diferentes tons, Zola ouvia as vozes de policiais, DJs, pilotos,
motoristas de táxi… as ondas sonoras compunham uma sinfonia à qual ele estava
sintonizado em toda a sua glória.
– Você – disse a um dos clones que estavam ali por perto, esperando
instruções.
– Mestre – respondeu o clone.Você sabe a identidade de nosso operativo no aeroporto, disse Zola, passando
para a comunicação sem voz através da caixa de PES.Sim, Mestre.
Tem um Plymouth Sundance 1990 azul estacionado na rua da área de
carregamento, do outro lado da rua.
Sim, Mestre.
No porta-luvas, você vai encontrar uma arma e instruções.
Sim, Mestre.
Tenho mais uma instrução: quando sua operação no aeroporto for concluída,
você usará essa arma para se eliminar.
Sim, Mestre.
Vá, agora.O clone saiu, andando às pressas ao longo do corredor; ele desceu por uma
escada no canto do prédio. Era de um modelo que servira muito bem a Zola, e ele
tinha certeza de que o clone completaria a missão.
– Você está assumindo um risco enorme – disse Maheu.
– Acho que não.
– Obviamente, ou teria feito outro conjunto de escolhas – disse Maheu.
Zola ignorou o clone. Considerara o risco, e o julgara aceitável. Muito mais
arriscado seria ter a identidade do operativo descoberta durante a caça às bruxas
burocrática que certamente aconteceria como consequência da colisão aérea. Um
assassinato seguido de suicídio em Long Island? Muito recorrente.
– É sempre um erro crítico subestimar o adversário – disse Maheu.
– Não há como discordar. Para nossa grande felicidade, não estou
subestimando.
– Talvez seja nossa grande infelicidade você acreditar que não está.
Zola suspirou.
– Maheu. Se eu soubesse que você ficaria esbanjando a inteligência que lhe
dei com joguinhos de palavras, teria feito um conjunto diferente de escolhas nesse
sentido. Madame Hidra morreu. Nossas ligações com o aeroporto logo serão
desfeitas. O plano segue com vigor.
– Como todos os planos fazem, até que desabam.
– Você parece estar confundindo o papel de conselheiro com as palhaçadas de
um bobo da corte shakespeariano. Se eu quisesse um memento mori,* bastaria
pensar em todos os corpos que habitei antes deste aqui.
– E cujas mortes parecem ter falhado em lhe ensinar suas lições. Você atua
com pressa demais – disse Maheu.
– Quão lentamente gostaria que eu agisse? Agora é a hora. Hesitar perante a
oportunidade é tão desastroso quanto agir com imprudência. Você deu conselhos.
Eu ouvi. Seja amável e evite oferecer mais até que eu peça novamente.
Maheu se afastou, e Zola embebedou-se com o sabor do sucesso.
Certamente, sábio era aquele que tinha cautela quando ela se fazia necessária.
Mas era bobagem retirar-se de campo com a batalha já ganha. Meus seguidores,
meus guerreiros, meu exército, ele disse através da caixa de PES, a Hidra é nossa.
Toda a atividade no chão de fábrica parou, e, de uma vez, os trabalhadores
viraram-se e saudaram-no.
– A Hidra é nossa! – bradaram.
Zola sentiu o calor do compromisso unificado deles em sua mente, conforme
em seus ouvidos reverberou o eco daquelas palavras.E agora devemos redobrar nossos esforços para levar nosso plano adiante. A
Hidra é apenas uma parte dele. Vamos trabalhar, meus seguidores, e levar nosso
projeto à sua gloriosa realização!Novamente em perfeito uníssono, os operários e técnicos abaixo dele
retornaram a suas funções. Havia materiais a sintetizar, temperaturas e pressões
a monitorar, processos de treinamento e aceleração cognitiva a administrar. O
chão de fábrica retomou a ação, e em questão de segundos estava exatamente
como estivera antes que Zola o pausasse para transmitir sua rápida fala. Maheu
apareceu no local, desviando do maquinário e tirando corpos do caminho, a
caminho das instalações de treinamento subterrâneas, cuja eficiência operacional
permanecia inaceitavelmente baixa.
A fase seguinte do projeto se desdobrava. Até mesmo o executivo predador
sabia quando agir e quando esperar o momento propício para a ação, pensou Zola.
Tudo se resumia a negócios.
Mas não seriam os negócios somente uma metáfora para a guerra?
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