segunda-feira, 12 de setembro de 2016

CONSCRITO 339

HOMEM DE FERRO : VÍRUS 

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Stark, considero-o valoroso. Você não é páreo para o meu intelecto, e sua maestria
científica é como o avanço rude e forçado do amador talentoso, mas sua
determinação, eu admiro. Tanto que, na verdade, não tentarei incitá-lo a unir forças
comigo – embora o mundo fosse nosso caso isso acontecesse. Agora, lutamos,
mas se ficássemos lado a lado, você com seu protótipo de armadura e o controle
imediato, eu com minha apoteose cibernética, quem poderia conosco? E não foi
isso o que você sempre quis? Impor-se sobre os outros e saber que eles
compreendem sua superioridade? Você não pode esconder nada de mim, Stark.
Conheci homens como você, e conheço os recessos de sua mente. Soldei sua
arquitetura enquanto observava o crescimento de uma cópia sua em meu período
de afastamento em Bushwick. As formas estão claras para mim. As mentes dos
homens são tão únicas quanto digitais ou retinas, não devido a qualquer
transformação metafísica de matéria para alma, mas porque variações nas estruturas
individuais de cada cérebro determinam que deve ser assim. Vi sua mente crescer, de
molécula a axônio; de neurônio a lóbulo. Tenho uma foto dela na cabeça agora
mesmo. Você a conhece tão bem quanto eu?
Levou 45 segundos para Tony voar alto o bastante para que seus propulsores não
tivessem mais nada para repelir, e mais três minutos para Zola libertar-se do
abraço dele e fugir. Mas já era tarde demais para ele. Mexeu a boca, mas é claro
que Tony não pôde ouvir. Monitorava cada frequência de alfa até UHF, e não viu
nenhuma transmissão de dados em volume alto saindo de Zola. Quando morreu,
Tony viu seu corpo plainar para trás e depois cair, cedendo gradualmente ao
chamado da gravidade. Rastreou-o visualmente e por meio de todo o espectro de
instrumentos à sua disposição, notando sem emoção a temperatura decrescente, a
falta de atividade eletromagnética. Morto. Tony disparou raios de pulso no corpo
para acelerar a descida; ainda que não houvesse energia cinética para que eles
captassem ao longo do caminho, porque não estavam passando pela atmosfera,
ainda assim, possuíam sua força inicial. Quis ter certeza de que Zola fora
destruído antes de descender, ele mesmo, aceitando o puxão da gravidade.
Quando o corpo do inimigo estava tão longe que Tony perdera o contato visual,
ele o seguiu via satélite e radar militar, que registraram um objeto caindo da
órbita terrestre baixa. Cinco minutos após Tony tê-lo soltado, o corpo de Zola
entrou em combustão. O que restava surgiu no alto do Atlântico Norte, caindo
anonimamente dentro do oceano, longe da vista de qualquer costa ou observador
humano.
– Pepper – disse ele. – Como estão as coisas aí embaixo?

– Ah, tranquilas – veio a resposta. – Rhodey está com um buraco na cabeça,
pelo visto. Fury quase perdeu o outro olho. Happy levou uma facada na perna e
um tiro. O laboratório está em chamas, tem corpos pra todo lado… e você, onde
está?
– Órbita terrestre baixa. Prestes a descer.
– Importa-se de nos informar sobre o status de Zola?
– Arnim Zola foi devolvido para os materiais brutos dos quais foi criado –
disse Tony. Ele virou de barriga pra cima e soltou os haloalcanos. A pressão da sua
expansão o impulsionou para baixo. Deixou-se cair, pensando que devia voltar o
mais rápido que podia, mas talvez incluindo um teste térmico no trajeto. A
reentrada, pelo menos, queimaria os pedacinhos de Zola que ainda estavam
presos no exterior da armadura.
– Estou a caminho – disse, antes que os efeitos de sua reentrada na
atmosfera bloqueassem as comunicações.
 


 Chegou vinte minutos depois, esquivando-se de um helicóptero de
paramédicos da S.H.I.E.L.D. ao chegar. Uma fileira de ambulâncias e vans
bloqueava a via de acesso em frente ao Laboratório de ITR, e os helicópteros dos
noticiários circulavam, tentando conseguir imagens apesar do blecaute
coordenado que S.H.I.E.L.D. e o Departamento de Defesa continuavam a impor.
– Deus – disse Tony ao entrar no laboratório e olhar ao redor. Ele tirou o
capacete. – Que bagunça.
Fury escutou a voz dele e foi atrás. Uma bandagem recente, grudada na
lateral de sua cabeça, pingava sangue.
– Importa-se de nos atualizar sobre a situação de Zola?
– A situação de Zola é que voei com ele para o espaço, onde ele morreu,
suponho de edema pulmonar ou algo relacionado, e depois seu corpo queimou até
não sobrar mais nada ao reentrar. O que sobrou dele deve estar agora indo
descansar no fundo do oceano Atlântico. – Tony olhou para a armadura. A
reentrada deixara listras apagadas quando calor intenso e pressão perfuraram a
atmosfera. Dentro da armadura, ele sentiu o calor como se sente a luz do sol
batendo na nuca. Um calor gostoso que se dissipou assim que ele desacelerou na
porção mais elevada da troposfera. – Qual é a situação daqui? Você parece ainda
mais pirático. Como estão Happy e Rhodey?

– Happy voltou pro hospital. E vai passar um tempinho por lá desta vez.
Pepper foi com ele. Rhodey teve a cabeça aberta por uma espécie de espada
samurai, mas é cabeça dura, então só vai precisar de muitos pontos e muita
aspirina. Encontramos dois clones de Madame Hidra. Todos esses agentes bem
treinados da S.H.I.E.L.D. por perto, e foram Pepper e Happy que deram cabo
delas.
– Pepper matou uma pessoa? – disse Tony. – Ela odeia armas.
– Ela odeia mais ser morta – disse Fury.
– Notícias da fábrica de chocolate?
– Pensei que você já saberia. Com esse seu controle imediato e tudo.
– É, eu desliguei na descida. – Fury arqueou uma sobrancelha, mas Tony não
elaborou o comentário.
O fato é que, após tanta pesquisa e após sua breve jornada Lá Dentro, a
experiência do controle imediato em si deixara Tony incomodado. Ela o integrava
completamente à armadura de um modo que ele jamais vivenciara, nem mesmo
quando acoplou a interface em seu sistema nervoso. Quando ligava o controle
imediato, Tony era mais rápido, mais forte, mais ciente… e talvez um pouco
menos humano. Ele desejava essa sensação e a temia ao mesmo tempo. Talvez a
culpa tivesse sido da viagem para Lá Dentro, mas Tony não era mais a mesma
pessoa que fora antes da armadilha virtual de Zola tê-lo sugado através da MDP.
Podia ter sido um erro de transcrição durante o processo de
upload e download de
sua personalidade, ou talvez alguma consequência psicológica sutil da experiência.
No fim das contas, motivo importava menos que efeito, e o efeito foi Tony
apreciar mais profundamente os defeitos e fraquezas inerentes à humanidade.
Ou era só impressão. Provavelmente essa sensação evaporaria assim que ele se
deparasse com alguém sendo criminosamente burro de novo.
– Ei, Nick. Minha cabeça andou meio esquisita no último mês.
Fury ergueu ainda mais a sobrancelha.
– Está pedindo desculpas?
– Sim, estou. – Tony acionou a liberação da armadura, que se separou do
corpo dele. – Sim – ele repetiu. – Sinto muito. Foram uns dias bem esquisitos.
– Pode repetir?
– Então, e a fábrica de chocolate?
– A equipe de resgate não saiu. Conseguiram tirar Serena, e conseguiram
explodir o prédio com todos os brinquedos de Zola dentro – disse Fury. – Inclusive
uns quarenta corpos extra que ele tinha estocado.
– Tá brincando. Quarenta?

– Quarenta. A polícia pegou Serena num White Castle na avenida
Metropolitan, quando ela pediu pra usar o telefone e depois começou a gritar
sobre mulheres correndo por aí com cabeças decepadas. – Fury inclinou a cabeça
para a plataforma do terminal de controle, onde jazia morta a última Madame
Hidra. – Aparentemente, havia oito delas inicialmente. Fiquei muito contente que
só duas chegaram aqui.
– Ela está bem? Serena, é claro – disse Tony.
– A última informação que recebemos foi que estavam levando-a pra casa, e
que ela ia passar um tempo com a família. O policial com quem falei disse também
que eu devia comentar com você que Serena acha melhor vocês dois não saírem
mais – disse Fury.
– Tem gente que não nasceu pra ter uma vida empolgante. – Ele olhou ao
redor do laboratório. – Sabe que vou mandar a conta da bagunça pra S.H.I.E.L.D.,
né?
– Por que não vai ao hospital? Aposto que Happy e Pepper vão ficar felizes
em te ver. Sabe-se lá por quê.
 

 Depois de tomar uma ducha – o banheiro parecia ser o único lugar do
Laboratório de ITR sem buracos de balas nem corpos no chão –, Tony entrou a
bordo de um helicóptero da S.H.I.E.L.D. e pegou uma carona até a Ilha do
Governador. No caminho, apesar do conselho terceirizado que recebera sobre o
status de seu relacionamento com Serena Borland, ligou para ela. Ela não
atendeu. Ele deixou um recado de voz sugerindo que, quando tudo tivesse voltado
ao normal, ou quase, talvez eles pudessem ir escutar um jazz juntos novamente.
Quando desligou, soube que jamais a veria de novo, mas não lhe pareceu certo
deixar de fazer a proposta.
Happy parecia ter sido atropelado por um trem, e Pepper – embora não
tivesse sido baleada nem esfaqueada – não parecia muito melhor.
– Faz quanto tempo que não dorme? – Tony lhe perguntou.
– Provavelmente não muito mais tempo que você.
Tonto e lerdo por conta dos analgésicos, Happy tentou acenar.
– Oi – disse.
– Hap, não devia deixar todo clone de Nova York tirar uma casquinha de você
– disse Tony. – Para lembrar.
– Os agentes da S.H.I.E.L.D. me pegaram também. Sou alvo de todo mundo.

– Aproveitando que os dois estão aqui, queria pedir desculpas, mesmo que
não queiram escutar. Vocês são amigos muito melhores do que eu mereço ter.
– Concordo – disse Pepper.
O momento perigava tornar-se sentimental em demasia. Tony procurava um
modo de impedir essa indesejada possibilidade quando o celular de Pepper fez um
barulho estranho, um misto de
riff de guitarra com um grasnar de pato.
– Que é isso? – Tony perguntou.
– Isso – disse ela – é o som específico que meu celular faz quando recebe uma
comunicação endereçada a você, mas que você achou melhor eu receber primeiro
pra poder selecionar.
– Não olhe – disse ele, mas ela já estava vendo. Depois de vê-la fitar a tela
por quase meio minuto, Tony não aguentou mais.
– Que foi?
Ela estendeu o celular para que ele pudesse ver a tela.
– É do Zola – disse ela. – Enviada faz uns vinte minutos.
Falo para o mundo que jamais escutou, este mundo que jaz abaixo, coberto de
branco contra o maravilhoso preto do espaço. Desta vez, talvez, eu tenha sido
superado. Desta vez, talvez, meus comandos não sejam ouvidos, minhas visões não
sejam realizadas, meus avanços não sejam percebidos. Arnim Zola morre sabendo
que sua vida foi dedicada à busca do conhecimento e do melhoramento daqueles
elementos da raça humana que vale a pena melhorar. E morre sabendo que nada
nunca morre, e que mesmo que esse truísmo heraclitiano falhe perante um teste de
gravidade ou seriedade, ele cabe à situação. Corte a cabeça de uma Hidra, sr. Stark, e
dez outras crescem no lugar. Corte o corpo de um Zola… enfim, você já sabe. Cada
inovação de suas armaduras, aquelas maravilhosas extravagâncias exoesqueléticas,
aproximam-no de uma conjuntura na qual seus objetivos e os meus serão
indistinguíveis. Você aperfeiçoa a humanidade por meio de invenções mecânicas;
eu, por transformações em nível de raiz. Continuamos insatisfeitos com as
limitações do animal humano, e ansiamos por algo melhor. Nossos desacordos, e o
resultado fatal desse mais recente encontro, não mudam a verdade incorrigível. Este
não foi nosso último confronto, e o momento de nossa próxima reunião não deve
ser conhecido por nenhum de nós neste momento. Mas saiba que você provou ser
um adversário de valor, e que aprendi muito com você. O bastante, acredito, para
que, da próxima vez, nossa contenda conclua-se em termos mais favoráveis a mim.
Você possui a energia bruta do norte-americano. Desta vez, foi suficiente. Na
próxima, tudo pode ser diferente.









  

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