segunda-feira, 12 de setembro de 2016

CONSCRITO 306

HOMEM DE FERRO : VÍRUS 

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PETIÇÃO PROVISÓRIA PARA PATENTETÍTULOMalha de nanotubos de carbono.DESCRIÇÃOUm tecido construído com nanotubos de carbono com densidade de aproximadamente 25
milhões de tubos por centímetro linear de tecido, com profundidade média de 2 milhões e
grossura de aproximadamente dois milímetros. O tecido exibe enorme força e resistência a
rasgos e estrago por impacto, mantendo a flexibilidade similar de um tecido encharcado. A
força de tensão dos nanotubos conforme produzidos para o protótipo teve média entre 75 e
95 GPa, o que geralmente impediria a flexibilidade; contudo, a malha, como foi
confeccionada, incorpora um padrão complexo de espirais e fibras cruzadas modelado
segundo a arquitetura da musculatura humana (ver figura 1, anexada).
ARGUMENTOObservou-se, em experimentos, que a malha de nanotubos de carbono das Indústrias Stark
absorve impacto de balas sem deformação permanente. Ela suportou extremos de temperatura
e pressão sem perder força e flexibilidade, e foi sujeita a testes de disparos de pressão de até
45 psi sem prejuízo estrutural.
STATUS DE SEGURANÇAProjeto conduzido sob os auspícios dos acordos firmados entre as Indústrias Stark e o
Departamento de Defesa, a S.H.I.E.L.D. e outras agências governamentais definidas pelo
decreto [editado], o decreto [editado] e a resolução [editado]. A tecnologia é propriedade
das Indústrias Stark, mas será totalmente compartilhada com todas as entidades elegíveis. A
tecnologia é secreta e não será licenciada até a revogação do tempo de sigilo.
Um terceiro Arnim Zola, chamado Lantier, jamais saíra de uma única sala
encerrada por uma porta de ferro no final de um corredor que circundava o
perímetro das instalações de treinamento subterrâneas. Ele não tinha caixa de
PES. Tinha somente conduítes inseridos na base do crânio. Eles serpenteavam
sobre seus ombros, adentrando portas de um computador quântico com mais
poder de processamento do que os do Departamento de Defesa. Os olhos de
Lantier viviam fechados. Seus dedos varriam e digitavam sobre um painel negro
sem imagens configurado para receber os comandos de suas mãos quando ele se

infiltrava em um sistema primitivo demais para responder às seduções mais
sofisticadas que percorriam os conduítes quando ele brincava com segurança de
ponta.
Arnim Zola entrou nessa cela e fechou a porta.
Lantier, disse ele, usando sua
caixa de PES. Lantier não gostava do som de vozes humanas, a não ser da própria.
– Todos a bordo – disse Lantier. Era obcecado por trens, uma obsessão tão
vigorosa que reformulava cada estímulo, cada pensamento, cada objetivo como
algo relacionado a trens. Zola tivera a intenção de fazer uma piada com esse
comando, durante o primeiro processo de climatização de Lantier. Logo fora
forçado a admitir que a piada fugira ao controle. Enquanto Arnim Zola era um
gênio, Lantier era um erudito; mas não falava de nada além de trens, e a única
coisa que sabia fazer com sua mente, pelo visto, ou a única coisa que queria fazer
com ela, em todo caso, era entrar através dela no mundo virtual. Graças a um
feliz acidente, Zola criara um perfeito hacker infiltrador de sistemas de
computador. O que era mais uma lição valorosa no que tangia às variações que
poderiam surgir mesmo dentro de uma população de clones. Fatores ambientais
jamais podiam ser ignorados.
Assim que notara as predileções e habilidades de Lantier, Zola acoplara-o
nessa estação de trabalho e o deixara lá. Uma equipe dedicada o mantinha limpo
e nutrido, mas, além disso, o único contato que Lantier tinha com outros humanos
ocorria somente com o próprio Zola.
Gentilmente, Zola indicou a Lantier o que queria que ele fizesse.
– Puxe a alavanca – disse Lantier. – A caldeira esquentou.
Ataque só para testar. Não nos revele ainda. Mostre incerteza. Faça-os
suspeitar. Atormente-os um pouco.
– Partindo na Pista Seis.

Lantier desacelerou sua locomotiva lentamente. À sua frente, os trilhos se
espalhavam num emaranhado de desvios e conjuntos de placas. A informação
vinda deles era conflitante, e ele compreendeu que isso significava que estavam
operando segundo um código que ele jamais vira na vida. Na estação, alguém
estava tentando deixar passar outros motores, enquanto o mantinha de fora.
Lantier resolveu não permitir. Mandou seus fogueiros à frente do motor para
puxar a primeira agulha. Ela clicou, e uma cascata de outras agulhas mudou de

posição em todas as demais junções que ele enxergava. Os semáforos também
mudaram, mas segundo outro padrão.
– Volte aquela agulha lá atrás, Fred – Lantier disse ao fogueiro. Fred
obedeceu. Algumas das outras agulhas se moveram, em resposta, mas outras
ficaram onde estavam. Os semáforos executaram uma coreografia complicada.
Um, dois, três… ele podia ver 64 trilhos. Supôs que havia mais além de seu
campo de visão. Acima dos trilhos, perto dos trilhos, no chão entre os trilhos, ele
contou 4096 arranjos de sinais, cada um com três luzes. Lantier pensou um pouco
no que viu.
– Tente a agulha de novo, Fred. – Aos poucos viu um padrão emergir.


 Foram quase 48 horas, mas Zola achou que estava muito bom. Precisava de
tempo para outros preparativos.
– Você abusa demais do trabalho do Lantier – Maheu o repreendeu, quando
fazia já 24 horas que Lantier trabalhava.
– Tudo indica que não aproveito você o suficiente. Talvez o que precise é de
um pouco de perspectiva.
Maheu entortou os olhos. Tinha apenas quatro anos de idade, e apesar de
intensivos condicionamento e aceleração de desenvolvimento cognitivo, tinha o
hábito de repetir a mesma expressão muito frequentemente. Naqueles dias,
começara a entortar os olhos. Zola pensou no custo de fazer um novo clone em
relação ao alívio de não ter mais que lidar com Maheu.
– Muito engraçado.
– O sarcasmo de novo. Não sei muito bem se você é um clone meu, afinal. Um
erro deve ter influenciado o processo.
– Que processo ocorre sem erro? – Maheu saiu andando para supervisionar os
preparativos finais no porão, deixando sua pergunta idiota reverberando dentro
da mente de Zola.
Os processos que eu crio. Esses ocorrem sem erro. A prova estava
diante dele, marchando pelas telas de sua sala de controle, trabalhando em ritmo
impecável no chão de fábrica entre as câmaras e fileiras complexas de aparelhos
que mantinham os materiais fluindo para dentro e os clones para fora.
Fábrica ou
refinaria?
Tinha aspectos de ambas, ele supôs. Seu corpo físico começou a ficar
cansado. Afinando a caixa de PES para captar e responder informações
importantes, acalmou sua mente. Fazia muitos anos que Arnim Zola não
adormecia completamente. Imaginava que isso jamais fosse acontecer de novo.

Mas, ocasionalmente, ele fechava os olhos e entrava num estado meditativo, que
achava restaurador. Foi o que fez ali, e permaneceu assim até receber notificação
de Lantier de que o objetivo estava à vista.
Imediatamente desceu as escadas, notando, ao passar pelo chão de fábrica, as
ondas de admiração e respeito vindas dos operários e técnicos. Lá no porão, sua
mente tilintou quando a caixa de PES recebeu a informação que inundava a nova
geração de clones. Em pouco tempo eles seriam climatizados e estariam prontos.
Era um dos princípios fundamentais de Zola jamais apressar uma etapa de um
plano simplesmente porque os preparativos para isso foram concluídos antes do
fim da etapa anterior. Os clones esperariam até que ele colocasse tudo em seu
lugar. Maheu esperava por ele na porta do sacrário de Lantier. Entraram juntos.
Lantier estava sentado, pálido e distante, dentro do exoesqueleto que Zola
construía para treinar os músculos dele e impedir que seu corpo morresse de
apatia. Os olhos estavam fechados, e os dedos de ambas as mãos descansavam
sobre a mesa. Se estava engajado em alguma atividade, sua aparência não dava
sinal algum disso.
Zola alertou-o da presença dos dois.
– Adentrando a estação, senhoras e senhores – disse Lantier.
Pela caixa de PES, Zola sentiu Maheu batalhando para conter um comentário
crítico. Ambos esperaram. Lantier sabia que estavam lá, e lhes mostraria o que
quer que tivesse para mostrar assim que estivesse pronto.
Ergueu as mãos e esticou os dedos. Zola e Maheu encostaram uma das mãos
contra as duas mãos idênticas do outro. As três versões de Zola conectaram-se
numa interface possibilitada pelo poder da caixa de PES e o poder obsessivo
dominante da mente fraturada de Lantier.
Cinzas e cascalho faziam um barulho triturado sob os pés. Ao longe, os apitos
dos trens gemiam feito o idioma noturno das baleias. Zola olhou ao redor. Um
único trilho de trem, muito reto, brilhando devido a uma luz que vinha de uma
fonte não identificada, esticado à frente dele até perder-se no horizonte. Num
poste próximo, uma placa reluzia um verde muito destacado. Zola olhou para trás
e viu a locomotiva, esperando, soltando fumaça preta para cima e vapor branco
para baixo. De cada lado, o panorama era vazio. Havia uma sensação de aclives e
declives, talvez um horizonte, mas nada possível de enxergar. Atrás da
locomotiva, os mesmos trilhos seguiam, terminando num brilho distante de
vermelho e verde.
– Eles não sinalizam do mesmo jeito por aqui – disse Lantier. Seu avatar
naquela realidade era esguio, bronzeado, vestia macacão com buracos de

queimadura sobre uma camisa de lona dobrada até os cotovelos. Um boné listrado
despontava sobre a testa, o bico muito dobrado no meio.
Zola assentiu. Mesmo ali, ele não tinha certeza se falar seria uma boa ideia.
Lantier ergueu o braço e apontou.
– Mas se você olhar ali para a frente, vai ver que eu entendi tudo.
Ele cuspiu o que Zola supôs ser saliva de tabaco nos trilhos.
Seguindo o olhar do outro, ele viu uma placa distante, longe demais para ser
lida claramente – mas aquele era o mundo de Lantier, e Zola conseguiu ler.
VILA STARK, POP. 1
– A todo vapor – disse Lantier. – Estamos atrasados.
Zola e Maheu voltaram juntos à sala de controle.
– Ele não vai viver por muito tempo – disse Maheu. – Você sabe disso, é claro.
– Não acho que ele já teve interesse em viver, se por viver você se refere a
interagir com o mundo sensível.
Ele convocou uma supervisora do chão de fábrica, um dos poucos operativos
remanescentes da Hidra que não foram usados como base para clones ou
eliminados numa das diversas purgações que Zola achou necessário fazer durante
a consolidação de seu controle. O nome da mulher era Olivia Toynbee. Ela fora
uma assistente de valor para Madame Hidra, o que Zola considerara,
inicialmente, um bom motivo para eliminá-la; mas assim que observou a facilidade
da moça em manusear a logística dos materiais e operários clonados, mudou de
ideia. O líder inteligente não desperdiçava recursos.
– Mestre – ela disse, apresentando-se à porta da sala de controle.
– Olivia, relatório do H2. Números, a missão está pronta?
Ela hesitou por um momento, enquanto organizava o pensamento.
– Temos 61 do modelo H2 totalmente construídos, e mais 23 nos tanques.
Dos 61, 40 estão nos estágios finais da climatização por ondas alfa. Os outros 21
estão em treinamento separado. Tivemos que fazer algo com eles porque havia
muitos para as instalações de ondas alfa que temos.
Zola lançou um olhar para Maheu, que o evitou, não olhando para a tela de
vídeo em seu peito.
– Muito bom – disse Zola. – Talvez eu devesse construir uma caixa de PES de
uso limitado para fazer o treinamento por ondas alfa com uma quantidade de
clones por vez. Maheu, se encontrar tempo, seria possível preparar as demais
instalações de ondas alfa para que possamos fazer o que estamos aqui para
fazer?
Maheu pareceu refletir sobre a fala.

– Posso estar equivocado – disse, após uma pausa deliberadamente teatral –,
mas isso não foi sarcasmo?
O silêncio dominou a sala de controle.
Olivia, Zola ordenou, você não ouviu esse último diálogo. Retorne ao térreo e
continue preparando os H2
. Quando a moça se foi, ele se voltou para Maheu.
– Estou aquém de sua humilhação, Maheu. Mas você não está aquém da
minha raiva. Não se esqueça. Eu o criei. Quando você deixar de ser útil, farei
outro.
– Nunca tive dúvida disso. Acho que agora vou terminar os testes operativos
finais nos sistemas de ondas alfa.
 
 

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