segunda-feira, 12 de setembro de 2016

CONSCRITO 309

HOMEM DE FERRO : VÍRUS

8

Atacamos o inimigo onde ele não espera – onde ele se considera invulnerável, ou
onde acha que jamais ousaríamos. Atacamos o inimigo com tanta ousadia e
destreza, que ele nem percebe que o golpe foi desferido até ser tarde demais, e sua
cidadela desaba ao seu redor. Somos o golpe de espada rápido demais para o olhar
acompanhar, o ferimento letal infligido antes que os nervos tenham chance de
reclamar da dor. Somos a Hidra! Construímos, crescemos, e o inimigo sabe que
estamos chegando, mas não pode nos impedir. Somos a Hidra! O inimigo nos teme
porque sabe que, caso corte um, dez tomam o seu lugar. Somos a Hidra! O inimigo
se chama S.H.I.E.L.D., o escudo, mas nenhum escudo pode se defender de cem
espadas. Cairemos sobre o inimigo para destruí-lo sem misericórdia. Somos a
Hidra! Vão – reúnam suas armas, vistam suas armaduras e se lembrem de que não
lutam por si mesmos, mas pelo homem à esquerda e pelo homem à direita, com o
homem de trás esperando para tomar seu lugar caso você caia, e o homem que está
aos seus pés. Vocês lutam como um. Vocês são a Hidra!
Nick Fury teve milhões de relatórios para preencher após o surto psicótico do
brinquedinho de Tony no Laboratório de ITR. Cada item dos equipamentos do
laboratório possuía um status de segurança demandando que sua disposição fosse
sempre anatomizada, e já que os contatos federais de Tony eram mediados pela
S.H.I.E.L.D., foi Fury quem assinou todos os relatórios. O homem não tinha um
temperamento adequado para lidar com papelada, e após um dia inteiro fazendo
isso, estava pronto para ir a campo e encontrar alguém que merecesse uma ou
duas pancadas.
O único aspecto positivo da situação toda foi ter aparentemente arrancado
Tony de sua fuga. Enquanto o Laboratório de ITR era reconstruído, Tony passou
a ficar mais nas instalações principais das Indústrias Stark, o que significava mais
coisas sendo concluídas lá. Ele estava interagindo mais com o restante da
humanidade. E isso era bom.
Se Tony Stark alguma vez perdesse completamente a cabeça e enlouquecesse,
pensou Fury,
teríamos sérios problemas.
Ele chamou a major Hailey Donner, sua assessora designada especificamente
para aturar as críticas do Congresso. Era também especialista em demolições
aquáticas, treinada em infiltrações e líder do time de resgate de reféns, mas seus
instintos políticos costumavam ser tão úteis para Fury quanto o restante de seus
atributos.
– As coisas estão melhorando? – ele perguntou, quando Donna entrou.

– Uma pitada – ela disse. – E sim, esse é um termo profissional. Usamos
quando não existe grande diferença na quantidade de crítica, mas nossa atitude
perante ela está, até certo ponto, mais suave.
– Não fazia ideia – disse Fury. – O que você acha que causou essa atitude
mais suave?
– Tony voltou a trabalhar. – disse a Major Donner. – Agora, quando recebo
uma ligação de algum assessor, é isso que eu respondo. “Tony voltou a trabalhar.”
Não os faz desistir, mas significa que voltamos ao universo dos problemas
principais de sapatear nas bobagens do Congresso.
– Saquei. – Fury assinou um relatório e disse: – Tenho um sapateado aqui
também, que precisa chegar ao escritório da contabilidade no máximo até amanhã
de manhã.
Donner deu um passo adiante para pegar os arquivos, e foi quando
começaram todas as explosões.
 


Tony recebeu uma ligação perfurante da S.H.I.E.L.D. bem quando terminava
a instalação dos sistemas de controle do protótipo, o que envolvia reconstruir e
substituir toda a rede neural que perpassava a camada interior da rede de
nanotubos de carbono. Teve de fazer desse jeito porque não tinha certeza se, em
algum ponto, um pedaço solto de código malicioso ainda flutuava em torno de um
dos nós artificiais. Ele isolara e destruíra todos eles, para depois gravar por cima,
por garantia.
A mensagem da S.H.I.E.L.D. era um aviso pré-gravado de urgência:
RESPONDA IMEDIATAMENTE – QG DA S.H.I.E.L.D. SOB ATAQUE DE
FORÇAS DESCONHECIDAS – TODAS AS FORÇAS, ACIONAR PRIORIDADE
ALFA.
Tony fitou a mensagem por um longo momento. Depois acionou a
comunicação com a S.H.I.E.L.D. e ligou para Nick Fury.
Sem resposta.
Então ligou para Rhodey.
– Tony, cadê você? – Rhodey estava quase gritando, e Tony fez uma careta,
antes que o aparelho ajustasse o volume.
– No Laboratório de ITR. – O tom urgente da voz de Rhodey o fez dar dois
passos, refletindo, na direção da mais nova armadura operacional.
– Venha já pra cá. Tem agentes da Hidra em todo lugar.

Tony parou.
– Hidra? O que da Hidra?
– Um tipo de força de infantaria leve. Estamos segurando, acabando com eles,
na verdade, mas não sabemos mais o que eles planejaram. Precisamos de toda
ajuda possível. – Rhodey parou de falar, e o barulho dos disparos de um rifle da
S.H.I.E.L.D. dominou a comunicação. – Tony?
– Estou aqui. Rhodey, você consegue resolver tudo isso, né? Nunca foi
costume da S.H.I.E.L.D. mandar pedidos de ajuda quando uns capangas da Hidra
aparecem caindo de aviões.
Mais disparos, seguido do som de Rhodey raspando o comunicador no queixo.
Para Tony, soou como uma lufada de vento.
– Tony – disse Rhodey. – O chamado é válido.
– Eu ouvi. – disse Tony. – Mas você acabou de dizer que tem tudo sob
controle.
Outra vez, silêncio. Atrás, Tony ouvia tiros, explosões abafadas, a batida
ritmada das pás de um helicóptero. Então Rhodey cortou a comunicação sem dizer
palavra, deixando Tony sozinho ali no laboratório.
– Ele disse que estava tudo sob controle – disse ele, dando de ombros. – Não
precisam de mim.
Tony voltou para o terminal de controle e começou a fase final da
reinstalação dos sistemas do protótipo.


 No fim da batalha, Rhodey compreendeu por que tudo acontecera.
Primeiro, um pulso eletromagnético confundira os sensores defensivos de
perímetro da S.H.I.E.L.D. Somente depois de uns dez segundos, conseguiram
fazê-los voltar a funcionar; a empresa se preparava para lidar com rompimento
nas comunicações causado por PEM desde que o fenômeno fora batizado
cinquenta anos antes. Durante esses dez segundos, oito aeronaves de companhias
aéreas comerciais conhecidas saíram de suas rotas de voo habituais e aceleraram
para soltar quase cem paraquedistas sobre o QG da Ilha do Governador – que
ninguém devia saber que existia, mas isso apenas mostra como vale a pena
manter o segredo quando o inimigo resolve mesmo descobrir alguma coisa.
Ao mesmo tempo, outras dúzias de agentes da Hidra viajavam disfarçados de
turistas, aproveitando-se da balsa que levava à ilha. Largaram suas cestas de
piquenique, armas carregadas, e dominaram o perímetro físico da base, construído

abaixo do nível do mar com uma entrada acoplada à saída de ventilação do túnel
Brooklyn-Battery.
Eram, portanto, cerca de duzentos comandos razoavelmente treinados e bem
armados, num ataque aéreo e terrestre coordenado.
A S.H.I.E.L.D., tomada totalmente de surpresa, repelira-o em menos de
trinta minutos – sem causar nem um acidente com civis. Já quanto à força
invasora, a taxa de unidades derrubadas resultou num redondo 100%.
A última balsa voltou soltando fumaça em direção à rua Whitehall, na ilha de
Manhattan, carregando um grupo de turistas confusos que não sabiam dizer
exatamente o que tinham presenciado. Psicólogos e relações públicas da
S.H.I.E.L.D. estavam entre eles, massageando suas mentes, garantindo que,
quando fossem aos jornais – o que alguns fariam, com certeza –, entregariam uma
história que a S.H.I.E.L.D. poderia terminar de contar quando os repórteres
viessem pedindo um comentário.
Rhodey conduzia sua retrospectiva das táticas do inimigo, arquivando-a e
comparando-a com ações prévias da Hidra, tudo para ignorar o fato de que Tony
Stark os deixara na mão quando mais precisaram.
Ou não. Não precisaram, porque no fim das contas eles tinham tudo sob
controle desde o momento em que soaram os primeiros alarmes. Quando podiam
ter precisado.
Ele tentou afastar a ideia da cabeça. Haveria tempo para lidar com ela mais
tarde. Fury certamente ia querer lidar com ela, e então Rhodey não saberia como
poderia defender Tony. A situação ficava muito complicada quando a amizade
entrava em conflito com a responsabilidade.
Com os turistas despejados na ilha agora, as equipes de recuperação da
S.H.I.E.L.D. reuniam os corpos dos atacantes da Hidra. Comparando seus números
com os registros de radar e vídeo, certificaram-se de ter coletado todos. Não
poderiam permitir que a limpeza fosse concluída para depois ver um bando de
presuntos aparecendo no banheiro masculino da loja de
souvenires. Os corpos
foram depositados em fileiras alinhadas, com misturadores de frequência afinados
no local para evitar que as sempre presentes garras da imprensa conseguissem
imagens do que realmente ocorrera. Rhodey andava ao lado de uma dessas
fileiras. Havia 27 corpos, cada um vestindo o uniforme padrão, armadura preta e
capacete, com o logo da Hidra destacado no peito, à esquerda. Tentou não pensar
nas pessoas que deviam ter sido deixadas para trás. Após uma batalha, o prazer
atávico da vitória sempre colidia com a tristeza referente ao modo com que

alguns homens estavam dispostos a morrer. Deixar para trás esposa e filhos pela
Hidra? Ele não compreendia.
Assim como não compreendia Tony Stark respondendo ao chamado apenas
para dizer a Rhodey que, na verdade, não o responderia.
Você acreditava na pessoa. Lutava ao lado dela, via-a triunfar sobre os
próprios demônios porque assim enxergava um bem maior… e então acontecia
isso. Não havia como defender.
Mas o defenderia mesmo assim, porque a amizade significava muito para ele.
Tony tinha razão; a S.H.I.E.L.D. não corria perigo, de fato.
Como ele faria Fury entender isso?
Na ponta da fileira de corpos, o homem em questão estava agachado num dos
joelhos, com um capacete da Hidra na mão. Diante dele, o corpo do qual ele
removera o equipamento. A armadura mostrava os três tiros técnicos contra o
centro da massa. Fosse quem fosse aquele comando, sentira um soco no estômago
e morrera antes de ter tempo de sentir dor.
Pequenas misericórdias da guerra,
pensou Rhodey.
– Acho que pegamos todos eles, senhor – disse. Acabara de receber a
informação de que os números batiam do rapaz da central. A não ser que a Hidra
tivesse descoberto como tornar seus agentes invisíveis, sua força de ataque havia
sido eliminada até o último homem.
– Bom saber, Rhodey – disse Fury. – Bom saber. Onde estava o sr. Tony
Stark?
– Ele recebeu o chamado, senhor. – Rhodey não pretendia dizer mais nada
com outras pessoas por perto. Não era do tipo que lavava roupa suja em público.
– Então, seria bom se ele tivesse vindo até aqui. Pelo menos a tempo de nos
ajudar a resolver os problemas – disse Fury. Ele levantou-se, o capacete da Hidra
ainda na mão, e apontou o corpo aos seus pés. – Reconhece esse cara? –
perguntou.
Rhodey olhou para baixo. Tentou controlar a reação no rosto, mas soube que
não conseguiu. Podia ver aonde aquilo levaria, todas as consequências à frente, e
não quis fazer parte daquilo. Mas se havia uma coisa que James Rhodes sabia
sobre si mesmo era que não conseguia mentir. Não para um superior, e não com a
situação encarando-o de frente. Não quis responder, mas respondeu.
– Sim, senhor. Reconheço.
  

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