HOMEM DE FERRO : VÍRUS
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Não há ciência cujos mistérios eu, seu líder, não possa penetrar. Busquei as
verdades mais profundas da genética, e trouxe-as à existência. Vocês, meu exército,
meus braços, a alavanca com a qual moverei o mundo. Jamais houve algo parecido
com vocês – até os próximos, que serão ainda mais magnificentes. Não podem
visualizar o que visualizo, motivo pelo qual cabe a mim ser seu líder. Ergam seus
braços direitos. Sim. Sintam o poder de sua unidade, sintam o poder de sua
resposta aos meus comandos. O que quero é o que é melhor para vocês, porque o
que eu quero é o melhor para a Hidra, e nós somos a Hidra. Posso tocar toda e
qualquer uma de suas mentes e encontrar seus recessos mais íntimos. Vocês não
têm medo. Não têm dúvidas. São a Hidra. Comem e respiram e lutam pela Hidra.
Falem comigo, baixinho: somos a Hidra. Sim. Agora mais alto! Somos a Hidra!
Quando lutamos com nossos braços e corpos, nossos inimigos tremem. Quando
lutamos com nossas mentes e nossa vontade, o próprio universo não sabe para
onde correr. Eu sou Zola. Eu faço, guio, ensino, e juntos faremos, guiaremos e
ensinaremos um novo mundo. Nós somos a Hidra!Tony não atendeu o telefone nem recebeu visitas durante 24 horas. Precisava de
tempo para pensar, e sabia que Pepper resolveria qualquer coisa que precisasse
ser resolvida no dia. Fechou o Laboratório de ITR naquele dia e deu folga a todos
os funcionários; era uma sexta-feira, e ninguém achou chato ter um inesperado
fim de semana de três dias. Com o laboratório em silêncio, Tony vagou pelos
saguões e andares de testes, tentando descobrir o que estava acontecendo, quem
estava fazendo aquilo e como ele deveria responder.
O ataque contra a S.H.I.E.L.D., para Tony, não fora intentado contra a
superintendência, mas contra ele.
As Indústrias Stark estavam sendo ameaçadas em pelo menos dois fronts.
Três, dependendo de como fossem pensados. O código malicioso que se insinuara
dentro do protótipo de armadura, além do uso de clones de Happy Hogan no
incidente na S.H.I.E.L.D. – mais o impacto psicológico de usarem Happy daquele
jeito. Isso tem tudo a ver com Sun Tzu, Tony pensou.Se você entra na cabeça do seu
inimigo, pode ganhar a batalha antes mesmo de dar o primeiro tiro. Bom, tiros
haviam sido dados naquela batalha, mas ele sentia que quem estava manipulando
os fantoches do outro lado do campo de batalha tinha planos que culminariam
num confronto cara a cara. Homem de Ferro versus esse alguém. O adversário
estava tentando amolecê-lo demonstrando que ele podia ser enfraquecido. Sua
segurança não andava boa o bastante, e – e era isso que doía muito admitir – ele
não sabia ao certo em quem podia confiar.
O Brooklyn era um grande bairro. Se não fosse parte de Nova York, seria a
quarta maior cidade do país, com mais de dois milhões de habitantes. Então por
que Tony não conseguia parar de lembrar que o protótipo fora hackeado de
algum lugar do Brooklyn, e que Happy Hogan morava lá? Essa ideia era como
uma minhoca; cavava fundo na mente dele, forçando-o a lutar contra o impulso de
conectar os dois fatos. Não havia motivo para acreditar que Happy era qualquer
coisa se não um amigo leal. Qualquer pessoa poderia, e de fato deixava pedaços
de DNA por aí; bastava estar vivo no mundo. Um gênio maluco com uma
instalação de clonagem poderia fazer mil cópias de qualquer um após segui-lo por
uma hora, subtraindo de tudo, de um guardanapo a uma bituca de cigarro a…
bem, de tudo.
Ele tinha que falar sobre isso com Happy, mas não sabia como abordar o
assunto sem fazê-lo sentir que Tony suspeitava de alguma coisa.
E o fato era que Tony realmente suspeitava de alguma coisa. Ele conseguia
afastar-se de seus pensamentos para ver que eles não possuíam razão de ser, mas
isso não alterava a suspeita insinuante que ocupava um cantinho de sua mente.
Havia algo acontecendo, e ele não compreendia, e ele tentava juntar as peças do
único jeito que elas pareciam querer se juntar.
– Uau – ele disse, em voz alta. – Momento paranoia.
O modo racional de abordar a história toda seria supor que Happy estava
sendo usado para gerar uma sensação de incerteza relativa a tudo em que Tony
confiava. Psicologia operacional pura. Mas uma coisa era reconhecer um trabalho
desses; outra coisa era não cair nele.
– Brooklyn. O que tem no Brooklyn?
E o que havia nele que o tornava suscetível a tão transparente estratagema?
Como dizia o antigo ditado irlandês: quando três pessoas lhe disserem que você
está bêbado, deite-se no chão. De todos os lados, Tony ouvira que andava agindo
de modo estranho. Por dentro, ele não se sentia agindo de modo estranho. Queria
o que queria, e o que queria era que as pessoas o deixassem em paz para poder
trabalhar. Havia coisas incríveis à beira do possível; ele seria capaz de criá-las
somente se as pessoas o deixassem em paz. A S.H.I.E.L.D. ligando, toda em
pânico, por conta de um bando de clones armados do Happy apenas o mantinha
afastado do trabalho que poderia salvar o traseiro da superintendência na
próxima vez em que uma verdadeira ameaça aparecesse. Era isso que ninguém
entendia. Fury, Rhodey, nem mesmo a Pepper.
Que ficou ligando para ele sem parar, apesar do fato de ele ter lhe dito que
não atenderia a ligação alguma durante o dia seguinte, talvez mais. Tony olhou
para o telefone, considerando brevemente ligar para ela, para que não se
preocupasse. Mas logo pensou que não faria diferença. Ela continuaria
preocupada, não importava o que ele fizesse.
Era esse o problema. As pessoas tinham um conceito sobre Tony Stark. E, de
algum modo, ele ultrapassara o ponto em que suas ações exerciam algum efeito
sobre esse conceito.
A solução, então, era não se preocupar mais com esse conceito. Fazer o que
ele sabia que precisava ser feito.
E isso, naquele momento, era o estágio seguinte do desenvolvimento do
protótipo. O telefone tocou. Ele não atendeu.
– Agora começa o trabalho de verdade, Maheu – Zola anunciou. – Podemos
certamente supor que a S.H.I.E.L.D. já comunicou ao deveras incomunicável Tony
Stark que foram atacados por clones de seu grande amigo Happy Hogan. Stark, é
claro, perceberá imediatamente que era ele o verdadeiro alvo da operação, mas
ao percebê-lo, ao considerar os motivos da operação, ele será forçado a legitimá-
los. Ou seja, começará a suspeitar de seu amigo, ainda que tente convencer-se de
que a suspeita é uma tolice.
– Considerando sua certeza, poder-se-ia pensar que a caixa de PES possui um
alcance deveras extraordinário – foi a réplica azeda de Maheu.
Zola ergueu uma sobrancelha e virou-se para que Maheu pudesse ver seu
rosto na tela de TV.
– Com inveja outra vez? – cutucou. – Você não precisa ter uma caixa de PES
como a minha. Ela é única, artigo distinto de qualquer coisa já criada pela mente
humana. Caso eu implantasse uma em você, ela destruiria sua individualidade e a
minha. Enquanto clone, você deveria agradecer pela mínima individualidade que
possui.
– Acredito que tenha razão – disse Maheu.
Zola não gostou do tom da voz do clone. Por um instante, considerou tomar
controle da mente dele, mas jurara a si mesmo não fazer isso jamais quando criou
Maheu. Que bem poderia proporcionar um conselheiro sem vontade própria?
Ainda que tal dom costumasse ser exercido de modo tão incômodo.
– Maheu, tudo parece estar correndo conforme o planejado, até agora, não
acha? Colhemos o DNA de Hogan. Livramo-nos de centenas de clones inúteis de
primeira geração que ocupavam nossa capacidade de armazenamento, e ao fazê-
lo criamos diversas desorientações que comprometerão a habilidade de nossos
inimigos de antecipar e reagir a aos nossos verdadeiros planos. E – disse ele –
nossa viagem de trem à Vila Stark concedeu-nos uma recompensa inesperada.
– Conte-me. – disse Maheu.
– Não, já que você vai continuar reclamando por conta da caixa de PES.
– Não estou reclamando. – disse Maheu. – Isso é apenas uma deflação
sardônica de seu invulnerável autoconceito de perfeição.
Zola riu de puro deleite.
– Esplêndido. Então eu contarei, sim, que quando Lantier teve seu momento
de diversão com o mais novo protótipo de carapaça do sr. Stark, ele trouxe de
volta umas informações interessantes sobre as habilidades do protótipo… e suas
suscetibilidades. Acredito que ele encontrou um modo de extrair, por entre os
dentes da formidável rede de protocolos de segurança do sr. Stark, os rascunhos
da interface neural do protótipo.
– Passaremos a projetar carapaças também, agora? – Maheu perguntou. –
Poder-se-ia pensar que a construção de um exército de clones seria suficiente
para manter a pessoa ocupada.
– Dessa vez, Maheu, sua farpa errou o alvo. – Zola bateu uma palma da mão
na outra. – Quando a natureza de um sistema é conhecida, pode-se explorar sua
natureza. Às vezes, é possível até controlá-lo. O que faremos será, tendo
aprendido sobre a natureza da interface do protótipo, começar a cutucar o
calcanhar de Aquiles que, certamente, se esconde lá dentro. Todo homem, e aqui
incluo até a mim mesmo, tem falhas. Aquele que encontrar primeiro a falha do
adversário, enquanto mantém a sua escondida, será o vencedor da batalha.
– Sempre? – perguntou Maheu.
– Talvez não. Mas esta vez é a única que conta.
Ele levantou-se.
– Sei que considera o ambiente de Lantier desagradável, mas devemos
consultá-lo sobre os detalhes desse novo estágio de nosso plano.
– Nosso plano? – Maheu repetiu. – Eu tinha a impressão de que você estava
perfeitamente contente com o plano anterior, que não incluía essa interface
neural nem qualquer participação minha que concederia o mérito do pronome
possessivo no plural, “nosso”.
Zola saiu pela porta e adentrou a passarela.
– Maheu – disse, sabendo que o clone vinha logo atrás –, remendar é quase
tão repreensível quanto ter inveja. Preciso de conselhos! Como devemos
cronometrar nossa próxima manobra? – Descendo pelos degraus da passarela,
Zola saboreou o tilintar na caixa de PES vindo dos operários, que notaram sua
presença.
– Parece-me – disse Maheu – que deveríamos agir assim que for prudente.
Quanto mais esperarmos, mais provavelmente Stark, quais sejam as flutuações de
seu estado mental, de fato alcançará um avanço que comprometerá nossos
objetivos.
– Concordo! – Zola ficou satisfeito por ter lembrado Maheu de sua posição.
Chegaram ao elevador. A porta se abriu quando eles se aproximaram, para que
não tivessem que apertar o passo para entrar. A descida ao andar de
treinamento, onde ficava o sacrário de Lantier, levava quinze segundos. Zola
registrou a mudança na expressão de Maheu durante esse pequeno espaço de
tempo. – O que há em Lantier que você acha tão detestável?
Por um momento, não apareceu nada da zombaria subalterna típica no olhar
do clone, nem em seu tom de voz.
– Porque ele poderia ter sido eu. Ou, mais precisamente, eu poderia ter sido
ele.
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