segunda-feira, 12 de setembro de 2016

CONSCRITO 313

HOMEM DE FERRO : VÍRUS 

12

A Hidra é como Prometeu roubando a chama dos deuses. Trazemos uma nova era à
humanidade, e a antiga ordem deve ser destruída durante a transformação. A Hidra
anuncia a grande criação de um novo universo humano. Força através da
uniformidade. Realização do potencial humano através do refinamento e
aperfeiçoamento do material humano. Vocês representam a melhor e mais recente
geração da humanidade, melhor do que a que veio antes, entretanto,
inevitavelmente superadas pelo que criarei em seguida. É assim que deve ser. O
universo macha em direção à perfeição, em direção à perfeita simplicidade expressa
por meio de mecanismos de complexidade incalculável. Vocês são um estágio
dessa marcha. São a expressão perfeita da humanidade neste momento, e para vocês
não existe outro momento. Não vivem para o futuro; vivem para que o presente
possa criar o futuro que visionamos. São as cabeças que o progresso e o tempo e
os inimigos cortarão fora, mas outras – mais novas, melhores, mais fortes –
tomarão seu lugar, porque vocês são a Hidra! Nunca houve exército como vocês, e
nunca haverá outro. Vivemos e lutamos para que a próxima geração, tomando forma
lentamente em minha mente, por sua vez, viva e lute até que o mundo todo seja a
Hidra. Assumam sua história e dirijam a visão da Hidra à frente, para o futuro que
nos espera!
Fury odiava reuniões. Odiava principalmente aquelas em que tinha que tratar
amigos próximos de maneira mais formal, ou seja, do modo como se trata pessoas
em reuniões. Gostava de Pepper e Happy. Infelizmente, não importava se ele
gostava de pessoas quando elas entravam no escritório da S.H.I.E.L.D., onde ele
era o general Fury. Nesse escritório, ele era guardião do povo norte-americano
contra qualquer inimigo, estrangeiro ou nacional – por mais exagerada ou
espalhafatosa que soasse a frase. Era a verdade.
– Pedi que viessem aqui juntos porque isso que está acontecendo com Tony,
seja lá o que for, não será resolvido em uma única conversa – disse Fury. – O fato
é esse.
Ele decidira focar-se em Happy primeiro, baseando-se na ideia geral de que,
visto que era Pepper quem resolveria o que precisava ser resolvido, resolver a
questão com Happy faria com que ela tivesse uma noção geral do que estava por
vir.
– Hap – disse Fury. – Sabemos que você não teve nada a ver com os clones.
Quero deixar isso bem claro, logo de cara.
– Obrigado, Nick – disse Happy. O homem parecia não dormir há dias, o que
devia ter mesmo acontecido. Fury apenas imaginava o que a revelação dos clones

fizera a alguém que valorizava tanto a lealdade quanto Happy Hogan.
– Acho que Tony sabe disso também. – disse Fury. – O problema é que é
difícil dizer o que Tony sabe e o que não sabe, porque ele se encontra no processo
de se tornar um ermitão. A última coisa de que a S.H.I.E.L.D. precisa, a última
coisa de que esse país precisa, é Tony Stark dando uma de Howard Hughes.
– Não acho que ele lave tanto as mãos, Nick – disse Pepper. Ela também
parecia ter tido péssimas noites de sono. Ambos estavam ali sentados nas cadeiras
da sala de Fury como se tivessem sido atropelados por um caminhão, quando ele
precisava vê-los em sua melhor forma, porque a qualidade de uma das mais
poderosas fontes de recursos da América estava em questão. E se alguém poderia
fazer algo a respeito, eram os dois.
E Fury resolveu dizer-lhes isso.
– Não posso ajudar o Tony. Fiz o que sei fazer, e Tony e eu temos um tipo
particular de relacionamento. Então vai depender de vocês. Pepper, pondo de lado
sua admirável piada, Tony
está se tornando Howard Hughes. Não fala com
ninguém, ignora as responsabilidades, remenda máquinas o dia inteiro, às vezes
mais. Isso não pode continuar. Ele vai surtar. Sabe que as coisas vão mal quando
ele não arranja tempo pra um evento beneficente num sábado à noite, onde ele
pode receber atenção de mulheres solteiras. Quantas vezes nas últimas duas
semanas ele cancelou participações? – Fury aguardou. – Pepper? E aí? Quantas
vezes?
– Não precisa desse número, Nick. – disse ela. – Nós dois sabemos aonde você
quer chegar.
– Então vocês sabem o que precisa ser feito. – Fury levantou-se, teve
vontade de acender um charuto, mas contentou-se em olhar para a vista da
janela. – Tony Stark é recurso de segurança nacional. Acontece que também é
meu amigo, ou pelos menos sobrevivemos a umas batalhas juntos. Quero o melhor
pra ele, mas isso não significa necessariamente que quero o mesmo que ele.
Então, o que vamos fazer?
Mais uma vez, Fury aguardou. Mais uma vez, nem Happy nem Pepper
disseram nada.
– Organizamos um evento de caridade que nem mesmo Tony Stark, em seu
estado atual, poderia recusar – disse Fury. – Foi isso que eu fiz. É essa a
importância que atribuo a Tony; acabei me reduzindo a produtor de eventos só
pra tirar o traseiro dele do Laboratório de ITR, que, pra ser honesto com vocês,
eu preferia ver queimar até as cinzas, mesmo com tudo que seria perdido. – Ele
fez uma pausa. Fazia meses, talvez anos, que não falava tanto de uma só vez.

Da gaveta da mesa, ele retirou uma folha de papel translúcido. Material
feito para um projeto novo que vinha esperando dinheiro da S.H.I.E.L.D. nos
meses anteriores.
– O que temos aqui é uma proposta pra uma festinha beneficente que o Tony
não vai poder recusar. É para soldados feridos, e metade dos lucros vai financiar
transplantes de coração e pesquisa sobre coração artificial.
Ele deitou a folha na mesa.
– O que preciso de vocês é que não tentem.
Tentar não vai resolver nada. O
que preciso de vocês é que tirem o Tony daquele maldito laboratório e o levem a
esse evento, onde ele vai poder se divertir do jeito que costumava fazer até
recentemente. Fui claro?
– General, tenho que ser honesto – disse Happy. – A verdade é que acho que
o Tony precisa que alguém vá até ele e lhe dê um soco na boca.
Isso foi tão inesperado, vindo de Happy, que por um breve momento Fury
perguntou-se se o homem sentado do outro lado de sua mesa era mesmo o
motorista de Tony Stark. Quem sabe? Podia ser um clone, e o Happy verdadeiro
poderia estar amarrado em algum porão por aí.
Não. Que bobagem. Lá estava ele, Happy Hogan, nariz ferrado, orgulho
ferido, dizendo a Fury e Pepper o que todos os três sabiam que ele jamais seria
capaz de dizer na cara de Tony.
– Hap – disse Fury –, eu concordo. Na mais ideal das realidades, é
exatamente isso o que faríamos. Mas, nesta realidade, acho que primeiro
precisamos tirar Tony do laboratório e devolvê-lo ao mundo. Lembrá-lo do que
ele realmente gosta. – Fury levantou-se. Captando o sinal, Pepper e Happy
fizeram o mesmo. – Mais tarde – ele acrescentou –, quando tudo isso tiver
acabado, você pode socá-lo na boca depois de mim.
– Acho justo – disse Happy.
– Nick – disse Pepper. Fury freou. Ninguém o chamava de Nick na sala dele
quando haviam sido convocados por motivo de segurança nacional. Mas Pepper
havia ganho certo privilégio, então ele não a censurou.
– Pepper – disse ele.
– Essa armadura nova é um grande avanço. Não estou dizendo isso pra
defendê-lo, mas você precisa saber. Está anos à frente das outras. Estou com um
pouco de medo, pra ser sincera. Ele… é como se seu cérebro estivesse
ultrapassando os limites. Tem mais ideias saindo dali do que ele consegue dar
conta. Então ele fica o tempo todo no laboratório, e ninguém consegue falar com
ele. – Ela parou de falar, do jeito que as pessoas fazem quando resolvem dizer

algo que não querem, que ninguém deseja ouvir. – Se você se preocupa com ele
como um recurso – disse, finalmente –, acho que essa parte não vai dar problema.
Ele vai produzir. Não vai entregar nada de acordo com a sua agenda, e
provavelmente não vai entregar o que havia prometido. Mas quando você
receber o que ele tem para entregar, talvez agradeça por ter dado um tempo a
ele.
Durante a última frase, ela fitou Fury bem nos olhos. Até mesmo seu coração
enrugado de guerreiro foi tocado pela lealdade de uma mulher a um homem que
não a merecia.
– Pepper – disse Fury –, sei que você acredita nisso. Mas eu não tenho o luxo
de acreditar. Preciso saber. E, para saber, preciso tirar Tony do laboratório. Não
posso deixar que viva no mundinho dele.
– Você nunca teve controle sobre ele. Ele o deixou pensar que teve, às vezes,
mas você nunca teve – disse Pepper.
– Não a chamei aqui pra defendê-lo – disse Fury. – Entendo de lealdade.
Minha lealdade eu presto àquela bandeira ali do canto. Acho que Tony também.
Mas agora ele precisa que alguém o lembre disso. Agora. Algum de vocês tem
uma ideia melhor do que a minha?
Happy e Pepper ficaram em silêncio. Fury ficou grato por isso.
– Excelente – disse. – Agora talvez vocês possam voltar ao laboratório e ver
se conseguem coagi-lo o suficiente para que pelo menos leia o convite.
– O dinheiro vai mesmo pra onde diz que vai? – Pepper perguntou.
– Pepper, querida – disse Fury –, o dinheiro pode ir aonde quiser contanto que
tire Tony da barricada dele.
 


 Um turbocóptero da S.H.I.E.L.D. os levou de volta ao estaleiro do Brooklyn,
onde Happy deixara o carro que os trouxera do Laboratório de ITR.
– Então – disse ele, depois que entraram, quando ele passava pelo apocalipse
perpétuo de construções na avenida Flushing. – O que achou disso tudo?
Pepper olhava pela janela, vendo os cones de construção e famílias judaicas
num passeio de sabá.
Sábado, pensava ela. Pessoas normais ficam em casa, com
suas famílias, no sábado. Já eu estava numa reunião ultrassecreta para tratar da
saúde mental do meu chefe, que por sinal é o Invencível Homem de Ferro
. Lera a
expressão em alguma matéria de revista.
– Happy, nem sei o que pensar.

– Sei lá, temos que fazer alguma coisa, né? – Happy pegou a rampa de acesso
à via expressa Brooklyn-Queens. Em questão de quarenta minutos, dependendo
do trânsito, estariam de volta ao laboratório.
Pepper fez que sim, ainda olhando pela janela.
– Claro. Temos que fazer alguma coisa.
Estava surpresa com quão magoada ficara com a mudança de Tony. Quando
ele assumia sua
persona pomposa, brincalhona, ela sabia como lidar com ele. Sabia
como pegar sua afeição e guardá-la num lugar onde ele jamais a veria. Sabia
como ignorá-lo quando ele precisava ser ignorado, e resolver tudo que ele nunca
se preocupava em resolver.
Sabe o que você é?, ela disse a si mesma, em pensamento, você é uma esposa. A
esposa de Tony Stark.
Todas as namoradas dele ficariam surpresas.
– Não quero falar sobre isso agora.
– Tudo bem – disse Happy. Preferiu não pressionar. Ela ficou calada, ali,
sentada, conforme eles passaram da BQ para a via expressa de Long Island.
Happy era melhor do que Tony merecia, às vezes. Ela também.
Então por que faziam isso? O que havia nele que atraía as pessoas, gerando
lealdade?
Ele era o Tony. Pepper não conseguia explicar de outro modo, nem para si
mesma. Ele era o Tony.
E Tony estava com problemas, e cabia-lhes fazer algo a respeito.
– Happy. O que acha desse evento do qual o Fury falou?
– Um evento como outro qualquer, pra mim – disse Happy.
Pepper riu, apesar do mau humor.
– Nem me fale. Às vezes parece que o destino do mundo livre está pendendo
numa balança, e Tony está dançando uma valsa numa galeria no MoMA, e às
vezes parece que se ele não estiver, aí é que o destino do mundo livre pende na
balança. Sabe, tem gente que tem empregos normais.
– Nós, não – Happy disse.
Ela concordou, fitando a janela.
– É verdade. Nós, não.
– Mas, caramba – disse Happy. – Você queria um?
 

 Quando chegaram ao laboratório, o portão automático não abria. Happy saiu
do carro e encostou a palma da mão no leitor. ENTRADA PROIBIDA apareceu na
tela.
– Hein? – disse ele.
Ele digitou o código no teclado abaixo do leitor. ENTRADA PROIBIDA.
Será que Tony havia cortado o seu acesso devido à história dos clones? Happy
sentiu um enjoo no estômago. Ficou ali parado olhando para as duas palavras que
apareciam na tela, sem saber o que fazer. Ouviu a porta de Pepper abrir e se
fechar. Ela viu o que ele estava vendo e disse:
– Deixe-me tentar.
Happy abriu caminho e viu Pepper fazer exatamente o mesmo que ele fizera,
obtendo exatamente os mesmos resultados. ENTRADA PROIBIDA. ENTRADA
PROIBIDA.
– Ah – disse Happy. – Pelo menos não é só comigo.
Pepper xingou baixinho, sacando o celular para ligar para Tony. Ele não
atendeu. Ela guardou o aparelho. Ficaram os dois ali parados por um instante
perante a luz dos faróis do carro.
– Isso não acontece em empregos normais – ela disse, pouco depois.
– Não, pode ter certeza.
Um
pop agudo saiu do alto-falante abaixo do leitor.
– Pep, Hap, está tudo bem por aqui. Vão pra casa. – Era a voz de Tony.
– Não está nada bem, Tony – disse Pepper. – Está longe de estar bem.
– Vão pra casa. Sério. – O alto-falante pipocou de novo. – Estou trabalhando.
O escaneador de segurança ficou escuro.
– Tony? – disse Pepper.
Não houve resposta.
  

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