HOMEM DE FERRO : VÍRUS
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Vocês enfrentarão super-heróis, mas também são super-heróis. Foram feitos para
serem super-heróis. Eu os fiz, e os considero fortes. Invencíveis. Alguns de vocês
morrerão, mas morrerão para que os outros possam viver. Cada um de vocês que
morrer, morrerá como uma das inúmeras cabeças da Hidra, que, quando cortadas,
crescem novamente, mais fortes e em maior número. Esse é o seu destino; sua
vocação; é aquilo para o que foram feitos e que justifica serem desfeitos. Chamo-os
para erguer os braços contra aqueles que os confinariam ao anonimato. Deixem sua
marca! Ergam-se comigo, lutem ao meu lado, vejam o novo mundo que espera para
nascer, com as inúmeras cabeças da Hidra e os inúmeros olhos da Hidra tomando
conta dele e o guiando para um novo amanhecer. Serão vocês quem farão isso
acontecer. Lutarão juntos como um, porque foram criados de um, e cada um de
vocês sabe que vive nos outros que sobreviverão. Serão vitoriosos como um,
porque somente a vitória pode esperar aqueles que se comprometem totalmente
com o destino que os aguarda. Vocês são a Hidra! Vocês, e somente vocês, são a
Hidra!Serena Borland estava mesmo de vermelho quando Tony chegou para buscá-la,
dos sapatos brilhantes até a cor do cabelo.
– Uau. Você não se conteve.
– Sempre amei vermelho – ela disse, e deu uma beliscadinha na bochecha dele
quando entrou na limusine.
Por motivo de visibilidade de entrada e praticidade de sapatos, foram de
carro, ainda que estivessem cinco minutos a pé do apartamento dela até o evento,
que estava acontecendo numa das áreas mais populares do Met, o Templo de
Dendur. Por quê, Tony não fazia ideia, mas imaginava que descobriria.
Geralmente, o tipo de pessoa que organizava esses eventos tinha embasamento
lógico preparado para explicar como artefatos egípcios criavam exatamente o
ambiente correto para uma recepção em prol da pesquisa sobre o coração e
soldados aleijados. O Templo fora uma das atrações favoritas de Tony desde a
primeira vez em que fora ao Met, e ele não estava chateado de retornar ao local.
Entrou de braço dado com Serena, recebendo acenos e flashes. Happy e Pepper já
estavam lá.
O Templo de Dendur fora resgatado – ou roubado, dependendo da
perspectiva – da encosta de um morro que estava prestes a submergir devido à
construção da represa Aswan High, nos anos 1960. O templo e seu portal
encontravam-se separados por cerca de dez metros no centro de um grande
saguão, cercados por um fosso artificial. Perto do templo principal havia uma
pequena esfinge. A parede dos fundos do espaçoso átrio era de vidro, construída
num ângulo que criava a sensação de que o templo estava instalado dentro de
outro templo. As outras três paredes eram cobertas de fotografias do sítio
original, assim como de artefatos relativos do mesmo período.
– A primeira coisa a fazer é um carinho no crocodilo – disse Tony.
Isso era um ritual que ele cumpria fazia muito tempo. Um crocodilo de pedra
descansava na beirada de uma ponte que cruzava o fosso. Uma das primeiras
coisas que Tony se lembrava de ler sozinho era parte da pequena placa que
descrevia a origem do crocodilo e seu significado. Ele deu um tapinha na cabeça do
animal e foi encontrar-se com Happy e Pepper. No caminho, ele e Serena
sofreram com uma breve entrevista conduzida por um freelancer de um dos sitesde fofoca da cidade. Tudo o que dissesse seria picado e reunido numa série de
vinhetas o mais irônicas e insultantes possível, mas tudo bem. Ele entrou na
brincadeira porque, caso não o fizesse, o site escreveria algo sobre ele de
qualquer modo, criando uma história da cabeça deles. Participando, pelo menos
ele ganhava a sua parte na jogada.
– Odeio essa gente – Serena sussurrou ao seu ouvido, quando escaparam do
entrevistador e seguiram para a mesa onde Happy e Pepper tinham reservado
lugares para eles. O espaço de fora da atração estava cheio de pequenas mesas,
com lugares para quatro e seis, e um pódio do qual discursos elevados emanariam
periodicamente ao longo da noite.
Tony deu de ombros.
– É o trabalho deles. Não me magoam.
Ele encontrou a mesa e indicou para ela o lugar ao lado de Pepper, para que
esta fosse forçada a conversar com ela e quem sabe desistisse da antipatia padrão
que sentia por toda mulher com a qual Tony decidia sair. Esse posicionamento
também o permitia sentar-se ao lado de Happy, de frente para Pepper,
minimizando a possibilidade de que ela fizesse algo como cutucar-lhe o pé sob a
mesa caso ele soltasse um comentário inapropriado. Conversaram durante os
discursos de abertura sobre os sacrifícios nobres feitos pelos soldados da
S.H.I.E.L.D. e a necessidade desesperada de pesquisas acerca do transplante de
coração. Durante um intervalo, Nick Fury e Rhodey pararam antes de serem
arrastados para fazer politicagem com um doador. Tudo pelos números… Mas
Tony, para sua surpresa, não se importou muito. Havia se esquecido de como
gostava de estar cercado de gente.
Mas continuava querendo sair dali e voltar para a armadura. Era seu trabalho
e sua vocação. As pessoas eram legais, contanto que tomadas em pequenas doses.
O jantar foi atum grelhado com diversas guarnições. Serena, Tony notara,
mandava ver no vinho, ficando mais animada e expansiva quanto mais conversava
com Pepper. Ele encostou perto de Happy:
– Está vendo isso? – murmurou. – Pepper está conversando com uma garota
com a qual estou tendo um encontro.
– Cavalo dado – disse Happy. Tony concordou. Resolvera que teria que
confiar em Happy, e tendo tomado essa decisão, estava contente com ela.
Traições viriam como sempre vinham: das direções que você jamais pensara em
defender.
– Argh – disse Tony, quando algo pinicou as costas de sua mão direita. Ele
derrubou o garfo, fazendo um estardalhaço, e foi pegá-lo do chão por reflexo. Ao
erguer a mão, tudo parte do mesmo movimento reflexo, para pedir a um garçom
que lhe trouxesse um novo garfo, notou um filete de sangue entre os nós dos
dedos.
Ouviu-se de novo o barulho de talher caindo, quando Serena derrubou a faca
de carne.
– Ai, meu Deus, Tony, eu te furei – ela disse. A hipérbole e a expressão de
espanto no rosto dela o fizeram rir. Um garçom abordou a mesa com um garfo
limpo. Serena apalpou o corte com seu guardanapo.
– Um dos menores ferimentos que já sofri num encontro – disse Tony, e logo
em seguida a parede de vidro explodiu e o barulho de tiros sobrepujou o do
estilhaços de vidro caindo. Agentes da Hidra vestidos de preto, com o logo
vermelho proeminente sobre o preto fosco da armadura, desceram por cordas,
atirando em plena descida. Guardas da S.H.I.E.L.D. revidaram o ataque. O
Templo de Dendur ecoou gritos, o impacto de balas nas pedras antigas, o quebrar
contínuo de vidro.
Um corpo caiu sobre a mesa deles, tombando-a e jogando Tony ao chão. O
capacete de homem caído saiu por conta do impacto, deixando Tony de cara com o
rosto de Happy Hogan.
O verdadeiro Happy correu pegar a arma, mas Tony o segurou pelo cotovelo.
– Hap! – gritou no ouvido do amigo. – Você tem que sair daqui! Vão acabar
matando você!
A expressão de Happy era de desespero. Tony mal podia imaginar a sensação
de ver um exército de soldados clonados usando o rosto dele. Tentando formar
palavras, Happy apenas soltava grunhidos.
– Vai, Happy! – Tony gritou. – Vai agora!
Alguma coisa mudou a expressão de Happy, como se ele tivesse
compreendido algo. Girou a arma, apontando-a para além de Tony, os olhos
procurando um alvo que não conseguiam localizar. Tony bateu no braço do amigo
e tomou-lhe a arma da mão.
– Happy, cacete, vai embora antes que alguém te mate!
Ele empurrou Happy para o canto do saguão, acompanhando-o até metade do
caminho, até ter certeza de que ele ia mesmo sair. Depois voltou correndo, à
procura de Serena, mas ela e Pepper haviam sumido. Tudo bem, ele pensou. Serena
está em boas mãos. Hora de conseguir umas respostas.
Com um baque, algo envolveu os tornozelos dele e o derrubou. Tony sentiuse içado do solo. Olhou para cima e viu que uma espécie de laço prendia suas
pernas. No ponto onde a parede de vidro encontrava o teto de pedra, três
silhuetas destacavam-se contra a luz vinda do centro da cidade. Tony ergueu o
tronco e agarrou, com uma das mãos, a corda. Firmando-se e procurando calcular
o movimento pendular que seu corpo fazia, esvaziou a arma de Happy na direção
dos sequestradores. As condições de tiro eram duras, para dizer o mínimo, e Tony
jamais investira muito tempo em armas pequenas. Acertou apenas um deles, mas
os outros dois pelo menos abaixaram-se tempo suficiente para que Tony olhasse
para baixo – acompanhando a descida do sequestrador que acertara – e
percebesse que estava alto demais para simplesmente cortar a corda e torcer pelo
melhor. Os outros dois sequestradores da Hidra reapareceram, e Tony voltou a
ser erguido. Abaixo dele, o tiroteio se intensificou – a Hidra começara a cobrir sua
retirada. O piso do Templo de Dendur estava coberto de corpos, pelos menos
metade deles vestida segundo o requinte do evento.
Tony estava quase no teto quando viu Rhodey abrir caminho por entre os
últimos dos civis que fugiam até um local onde teria como apontar a arma para os
dois homens – clones – que manuseavam o guincho que levava Tony para o alto.
Ao contrário dele, Rhodey estava ereto, os pés plantados no chão, e devotara
centenas de horas ao treinamento com armas pequenas. Derrubou os dois
sequestradores do telhado com quatro disparos.
Um deles caiu para trás, fora do campo de vista. O outro tombou para a
frente, caindo sobre uma das vigas de metal que reforçavam a parede de vidro.
Escorregou parte do caminho até a primeira viga paralela, onde ficou preso,
tentando erguer a perna. Tony começou a balançar, aumentando o movimento,
até que alcançou e agarrou a viga, perto do clone ferido. Prendendo um dos pés
sobre a viga, machucou muito a perna, mas grudou-se na armadura do clone.
– Descendo – disse ele, e empurrou o mais forte que pôde, ao mesmo tempo
dando impulso para trás com a perna. Abraçado com firmeza ao clone, ele girou
para trás, vendo o portal do templo, do teto falso, sentindo o clone debater-se um
pouco. Ele quase não lutava para se libertar, Tony notou.
– Não vá morrer agora – disse. – Temos que conversar.
Abaixo, os barulhos do caos iam diminuindo. O ar fedia a tiroteio – e,
estranhamente, atum queimado.
– Rhodey! – Tony gritou.
– Aqui!
– Tenho alguém aqui pra gente entrevistar. Será que consegue um jeito de
me descer daqui?
– Me dê um segundo. Estou chegando.
– E você sabe onde foram parar Pepper e Serena?
– Eu estava ocupado atirando nos clones da Hidra, sabe? – Rhodey respondeu.
– Claro, eu entendo. Eu mesmo ligaria pra ela, mas deixei o celular na mesa.
Algo passou voando pela orelha de Tony e grudou, com um clique, numa das
barras da parede de vidro. Um arpão magnético, ele viu. Com um barulhinho de
motor, Rhodey ergueu-se à altura de Tony.
– Vamos ver. Primeiro levamos seu prisioneiro, e depois volto pra te buscar.
Que acha disso?
– Por mim, tudo bem. Cuide bem dele, e leve-o direto ao laboratório.
Precisamos ter uma conversinha, eu e ele.
– Laboratório? – Rhodey parecia em dúvida. – Você sabe tanto quanto eu que
o Fury vai…
– Rhodey, por favor, faça isso por mim. É lá que tem que ser. Por que acha
que a Hidra tentou me capturar aqui? Sabemos que eles andavam de olho no
laboratório. Se pudessem me pegar lá, já teriam pegado. Já que não pegaram, e
tentaram aqui, isso significa que estaremos mais seguros lá. Entende?
Tony sentiu-se ridículo tendo essa discussão pendurado doze metros acima do
piso de pedra coberto de corpos de clones de um de seus melhores amigos. Tentou
ter paciência, mas a necessidade de arrancar umas respostas daquele clone era
como uma pressão física dentro de sua cabeça.
– Rhodey, por favor.
Rhodey pisoteou a beirada do teto falso até que ficou à distância de um
braço.
– Entregue ele pra mim. – disse. – Vou levá-lo ao laboratório, mas você fica
me devendo essa. Fury vai me encher o saco.
Enquanto transferia o clone semiconsciente da Hidra para o amigo, Tony
disse:
– Não sei por que você continua me fazendo o que eu peço.
– Nem eu – disse Rhodey. Ele foi descendo para o chão, e disse: – Melhor
você torcer pra que eu não pense muito nisso.
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