segunda-feira, 12 de setembro de 2016

CONSCRITO 327

HOMEM DE FERRO : VÍRUS 

26

Que ironia mais adorável. Eu a cortei quando você era a cabeça da Hidra, para então
você crescer multiplicada por oito. Sabe do que estou falando? Você não sabia que
sua original morreu pelas minhas mãos? É verdade. A Hidra cresceu para além dela e
precisava de uma mão mais firme, uma visão mais poderosa. Aproveitei a
oportunidade. E agora a transformação da Hidra dá seu passo seguinte. Recebo
vocês oito, embora confesse que jamais poderia tolerá-las como apenas uma. Por
acaso existe virtude maior que a uniformidade? A individualidade leva ao conflito,
e o conflito, ao caos e à morte. Vocês, vocês oito, lutarão como uma mais
efetivamente do que sua original jamais o fez. Ela vivia em conflito consigo mesma.
Vocês têm a unidade do propósito dado por saberem que existem mais sete como
vocês. Pois se não é essa a perfeição do ideal da Hidra? Uma cabeça cortada dá
lugar a muitas outras que crescem em seu lugar. A Hidra está mais forte do que
antes. Eu também fui cortado, e cresci novamente, e estou mais forte do que antes.
Venham comigo, minhas madames. Vamos vê-las lutando. Vamos vê-las tomar seu
legado. Vamos vê-las merecer o nome de Hidra!
O prisioneiro lembrou-se de que se chamava Tony. Tony Stark. Havia outro Tony
Stark também, e o prisioneiro soube que ele tinha de confrontar-se com e destruir
esse outro Tony Stark se quisesse escapar daquela prisão maior para poder voltar
ao lugar de onde viera.
Saiu pela porta, para um alpendre de madeira empoeirada. Onde quer que
estivesse, parecia que não morava ninguém ali havia muito tempo. Havia um
monte de pegadas no chão, na direção das luzes. Pertenciam ao outro Tony Stark.
Conforme sua identidade começou a se ajustar, Tony percebeu que precisava dar
um nome ao outro Tony. Resolveu que Tony Virtual caía bem como apelido, e
como ele não viveria o bastante para precisar de um nome real, o apelido já era
suficiente.
Então, avante, para as luzes. O Tony Virtual tinha que morrer antes que…
Zola, era esse o nome. Antes que Zola pudesse… o quê…?
Tony não conseguia lembrar tudo de uma só vez. Então começou a andar.
Às vezes, apareciam coisas ao seu redor. Parecia haver uma quantia infinita
de trilhos de trem, rumando para todas as direções, inclusive acima e abaixo. Às
vezes, havia trens guiados por locomotivas a vapor pretas brilhantes, com coisas
indescritíveis penduradas nos limpa-trilhos. Outros trens também passavam:
maglevs reluzentes com comprimento de mil carros, lotados de personagens da
Disney ou supervilões de histórias em quadrinhos ou da equipe do Detroit Tigers
de 1984. O chão em si, em geral, não era solo. Os pés de Tony andavam por sobre

ele, e ele suportava o peso, mas nada crescia ali – até que, ao pensar nisso,
começou a crescer grama de dentro das pegadas, erguendo-se acima da cabeça
dele, numa sublevação de pétalas e vinhas. Ele estava controlando tudo?
Árvore,
ele pensou.
Um carvalho imenso cujo caule não poderia ser abraçado nem por cinco
homens brotou na frente dele, com um barulho seco. As folhas caíram, e sementes
quicaram e espalharam-se pelo chão.
– Aha – disse Tony. Agora restava a dúvida: quem mais estava controlando o
ambiente? E onde estaria o Tony Virtual?
As luzes estavam ainda muito distantes.
Talvez o Tony Virtual já tivesse chegado a elas, e seria por causa dele que
este Tony não conseguia se aproximar. Talvez tudo o que Tony precisasse fazer
era desejar estar lá para ir parar lá.
Para as luzes, ele pensou. Não aconteceu
nada. Mais sementes caíram.
Percebeu que alguém vinha chegando perto dele. Uma figura humana mal
formada, desengonçada e curvada.
– Você não é daqui.
Tony não conseguia enxergar o rosto com definição, mas a voz parecia ser de
homem.
– Não – Tony respondeu. – Vim aqui para, hum, matar o outro Tony.
– Então você é o Tony.
– Isso. – E parecia ser isso mesmo.
– Por que precisa matar o outro Tony?
Foram cambaleando um ao lado do outro. Aconteciam várias coisas no campo
visual periférico de Tony, mas ele ignorava. Podia haver civilizações surgindo e
desaparecendo no tempo que seu coração levava para bater duas vezes.
Ei, ele
pensou.
Uma das vantagens desse lugar é não ter problema de coração.
O acompanhante repetiu a pergunta.
– Ah. Por causa do Zola.
– Por que por causa do Zola?
– Porque se eu não matar o outro Tony e… – O resto da resposta encontravase além de sua capacidade de articulação.
– Você precisa voltar para o mundo, pelo visto – disse o acompanhante.
Tony concordou.
– Sim. Porque, senão, Zola vai…
Ainda não conseguia formular. O acompanhante não pareceu se importar.
– Eu conhecia o Zola.

– Conhecia como?
– Já fui Zola – disse o acompanhante. – Ele joga seus
eus fora como as cobras
trocam de pele.
– Então o que ele quer daqui? Deste lugar.
O acompanhante deu mais alguns passos sem dizer nada. Tony o deixou
pensar. Não pareciam ter chegado nem um pouco mais perto das luzes.
– Deve ter a ver com o vírus.
– Porque se eu não matar o Tony Virtual e voltar – disse Tony, como se lhe
estivesse sendo ditado por alguém –, Zola vai controlar o vírus.
Era isso. O vírus trouxera Tony e Tony Virtual até ali. Zola podia controlá-lo.
Se ele o controlasse, então o vírus, que infectara o sistema de controle imediato,
iria…
– Como é que se controla um vírus? – o acompanhante perguntou.
– Ele não faria isso. Controlaria a mim.
Um calafrio percorreu-lhe a espinha, como se ele tivesse, de fato, um corpo.
Zola pretendia transformar Tony numa inteligência artificial. Refazê-lo,
tornando-o algo pós-humano, alienígena. Reprojetá-lo no espírito residente que
poderia, via controle imediato, transformar toda máquina do mundo conectada
via rede num olho, ou ouvido, ou punho.
– Não, senhor – disse Tony. – Gosto muito do mundo real.
Começou a andar mais rápido. O acompanhante lutou para acompanhar, mas
logo ficou para trás. Não chegou a pedir a Tony que andasse mais devagar.
• • • •
– Hailey – pipocou a voz de Fury no ouvido dela.
– Na escuta, general Fury.
– Temos novos dados aqui. Fique de olho para outro Arnim Zola. Se o vir, ele
se tornará seu objetivo primário. Acabe com ele de uma vez. Vasculhe o prédio
em busca de corpos nos quais ele possa entrar e acabe com esses também.
– Entendido.
– Nada de corpos vivos neste prédio, Hailey. Procure e destrua.
– Entendido, general. – Para a equipe, Hailey disse: – Novas ordens. Este
prédio agora é zona de tiro livre. Vocês todos têm fotos de Serena Borland. Ela
será tratada como item recuperável. O resto será destruído.
O silêncio reinou sobre a equipe. Eram soldados da S.H.I.E.L.D. com certo
tempo de experiência, mas, até para eles, uma ordem de execução sem

prisioneiros era incomum.
– É assim que se defende a república, pessoal – disse Hailey. – Charlie,
divida-se entre Alfa e Bravo. Duas equipes, uma para cada corredor. Alfa, à
frente, Bravo, à esquerda. Vão.
O primeiro confronto da Alfa ocorreu no momento em que todos os nove
membros da equipe saíram do elevador. Duas portas, uma em frente à outra, no
corredor adiante, abriram-se e quatro Happy Hogans apareceram: dois em pé,
dois abaixados, todos atirando. A Alfa obedeceu ao treinamento, abaixou,
encostou-se na parede e atirou nos cantos das portas. Dois deles não se
levantaram quando os outros sete se dividiram para checar as portas, derrubando
tudo o que se movia. Em segundos, estava tudo acabado. Nove Hogans no chão e
seis dos sete membros móveis da Alfa verificando as duas salas, que eram
dormitórios. O sétimo, o médico de campo da Alfa, fazia o que podia com os
mortos. Hailey contou sessenta macas, confirmou o mesmo número no dormitório
da frente, e voltou para o corredor assim que o médico se levantava.
– Más notícias, major. – ele disse. – Estavam mortos quando cheguei.
Ela assentiu e reuniu o time. Ainda havia uns bons cinquenta metros de
corredor para cobrir.
• • • •
Bravo não contatou o inimigo até a primeira curva no corredor. Um dos
Hogans acabou disparando sem querer, na hora errada, soltando uma rodada de
disparos quando o ponteiro da Bravo chegou perto o bastante da curva para que
seu capacete fizesse sombra no corredor. O ponteiro soltou uma granada no
corredor, esperou pela explosão, depois agachou, mirando na curva, enquanto,
atrás dele, três soldados miraram também, disparando na linha da cintura para a
cobertura. A granada derrubara quatro Hogans e um quinto estava encostado na
parede, tonto; o primeiro tiro do ponteiro da Bravo o fez curvar-se de dor e
tombar.
No fim do corredor, encontraram quatro dormitórios vazios.
– Tranquilo até aqui, major – disse o líder da equipe. Ele havia ouvido a troca
de tiros do outro lado do porão. – E por aí?
– Dois caídos – disse a major Donner. – Segurem firme.
• • • •

A equipe Alfa foi a primeira a bater à porta do sacrário de Lantier. Este,
sabendo que os intrusos se aproximavam, preparara suas defesas do único modo
que podia. Embaralhou os equipamentos eletrônicos deles, preparou uma série de
defesas pessoas projetadas especificamente para serem empregadas por alguém
com sua configuração física particular, e acionou diversas rotinas de sistema
pensadas para confundir e atrasar as operações do inimigo. Depois, ficou
completamente imóvel, escutando pelos sistemas do edifício e falando sozinho,
sem parar:
– Dentro do horário. A tabela não mente. A tabela não mente.
Quando a Alfa entrou chutando, cada alto-falante da sala guinchou num
volume calculado para causar danos ao ouvido humano. Luzes estroboscópicas
piscaram. A equipe atirou em todo o cômodo, explodindo telas e
spots de luz,
silenciando a maioria dos alto-falantes. Dois homens saltaram para dentro.
Nenhum deles notou Lantier; sob a luz baixa, ele se confundia com uma mistura
de cabos e junções. Fagulhas pularam de cabos cortados nas costas da sua cadeira,
que Zola blindara como proteção contra a possibilidade de que Maheu tentasse
aplicar-lhe um golpe. Ambos os soldados passaram à distância de um braço, em
cada lado dele, e antes que os homens que cobriam da porta pudessem dizer
qualquer coisa, Lantier estendeu os braços com os escalpelos que usava para
operações delicadas em certos clones e meteu-os no pedaço macio nas juntas dos
quadris de suas armaduras.
Ambos caíram gritando, com sangue jorrando das artérias abertas. Os
soldados na porta reagiram tão rápido quanto um humano poderia reagir,
entrando no cômodo e atirando em Lantier, transformando-o em purê cibernético.
O médico da equipe, com apoio de uma lanterna, verificou os ferimentos e soube
que não teria chance de salvar nenhum dos colegas. Mesmo assim, tentou, e a
equipe Alfa perdeu três minutos vendo mais dois dos seus morrerem.
• • • •
Bravo fez uma curva e encontrou-se num espaço que lembrava aos mais
velhos de uma sala de fliperamas. Num corredor, dezenas de cubículos faziam
fileiras nas paredes. A luz que saía de cada um era um violeta fosforescente que
lembrou a alguns a iluminação de um aquário, e a outros, certo elemento de
iluminação do dormitório da faculdade.
– Em duplas – disse baixinho o líder da Bravo. Eles foram adiante e alocaramse ao lado das portas do primeiro par de cubículos.

Em cada um estava um Hogan, boca semiaberta e olhos fechados. Eletrodos e
fios brotavam das cabeças, e estavam nus, com fraldas.
– Fraldas – um dos comandos disse com desgosto.
– Que bom que Happy não está aqui pra ver isso – comentou outro. Ele
cutucou o Hogan no peito com o cano do rifle. A criatura não respondeu. Ao lado
dela, um terminal de computador mostrava uma série interminável de imagens,
dados e estranhos padrões coloridos que lembravam a previsão do tempo.
– Vocês dois – sussurrou o líder da equipe. – Vão ao fim do corredor e cubram
aquela porta.
Os dois comandos saltaram pelo corredor até o final.
– Contei cinquenta de cada lado – disse um deles. – Todos cheios, exceto os
últimos oito.
– Algum deles se parece com Serena Borland? – perguntou o líder.
– Não, senhor. Queria que sim. Mas só tinha Hogan até o final.
– Então, equipe Bravo, vocês sabem o que fazer.
***
Hailey ouviu o tiroteio vindo da outra ponta do porão, abafado, como se o
som passasse pelas paredes, em vez dos corredores. Havia certo ritmo. Não
pareciam tiros de combate. Parecia mais…
– Líder da Bravo – ela disse.
– Aqui, major.
– Relate sua situação.
– Localizamos 42 Hogans, major. Numa espécie de hipnose, com cabos na
cabeça. Seguindo suas ordens, estamos liquidando todos. – Bravo soou firme.
Ordens do general Fury, você quer dizer, Hailey quis comentar. Mas seria
hipocrisia. Ela não contestara nem atrasara a transmissão das ordens. Era
cúmplice. Tinha que acreditar que o general Fury sabia o que estava fazendo.
– Entendido, líder da Bravo. Continue a checagem – disse ela. Alguns minutos
depois, sua equipe acabou sendo responsável por outro massacre quando
descobriu o armário de Arnim Zola, lotado de corpos extras.
• • • •
– Bem, existe confirmação de que Zola encontrou um novo corpo para si –
disse Fury. – Tiveram sorte em achar o Tony?
– Não – disse Pepper. – Pare de me perguntar. Vou contar quando achar.
O comunicador de Fury pipocou, e Rhodey disse:

– Bem que podíamos ter apoio aéreo aqui fora. Além disso, não era de se
esperar que os policiais locais ou a Guarda Nacional aparecessem?
– Você perdeu as instruções da missão porque estava no hospital – Fury
lembrou-o. – Eu mandei os tiras e a Guarda não se intrometerem, falei com os
xerifes, falei com todo mundo. Eles vão fingir que não tem nada acontecendo, e
quando acabar, ninguém vai falar nada sobre isso. Quanto ao apoio aéreo, foi
vetado por causa do que aconteceu com aqueles helicópteros.
– Mas Zola não está por perto – disse Rhodey. No fundo, um disparo de rifle
bagunçou a equalização do comunicador.
– Se ele ainda não voltou, logo vai voltar. Seja lá o que Tony inventou pra
impedi-lo de usar controle mental, não funciona além de algumas centenas de
metros do prédio. Então aguente firme aí e não queira ver pilotos de helicóptero
em perfeito estado cometendo suicídio por lavagem cerebral.
  

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