segunda-feira, 12 de setembro de 2016

CONSCRITO 333

HOMEM DE FERRO : VÍRUS 

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Happy Hogan, como foi ter esse nome? É porque está sempre feliz ou porque as
pessoas se aproveitam de sua lealdade e por isso colocaram-lhe esse apelido no
intuito de apadrinhá-lo e fornecer munição para piadas frias ditas pelas suas
costas? Ah, agora eu entendo. Porque você não sorria na época em que era
boxeador. Que ironia mais pobre. Harold é um nome de rei, um nome heroico;
Happy é apelido para um pateta, dado por pessoas que desprezam a felicidade e
acreditam que ela é sinônimo de inocência e burrice. O que sua lealdade lhe trouxe
na vida, Harold? Achei seus clones fortes e valorosos; mas as pessoas que o
empregam o tratam como se fosse um clone. As pessoas com quem se importa estão
presas dentro de um edifício que queima lentamente. Cercadas por forças
superiores. Por quê? Porque estão cercadas pelos seus clones, Harold, e que
homem comum pode vencer você? James Rhodes não, nem Nick Fury. Nenhum
homem. E Tony Stark encontra-se viajando nos alcances distantes de sua própria
mente. Não retornará. Não quer retornar. Ele o abandonou, e à sua amada Pepper.
Vai cloná-los ou atacará para salvá-los do destino que o fez tanto desprezar a si
mesmo? Você sabe, Harold. Sabe o que deve fazer.
Subindo escada acima, Tony permitiu que o protótipo da armadura crescesse em
torno dele e o selasse. Ele podia ser um avatar também – um avatar do Homem
de Ferro, o Homem de Ferro que jamais existira na Quarta-D, mas passaria a
existir assim que ele desse conta de seu clone usurpador Lá Dentro.
Ele alcançou o último degrau e parou, vendo um espaço tão imenso que
parecia que seu conceito de espaço estava se revendo para acomodar o que os
sentidos vivenciavam. Nada na Quarta-D jamais parecera tão vasto… e não havia
nada após o último degrau. Não vai ser nada quando você chegar lá, dissera o
acompanhante. Estava errado? Mentindo? Conspirando astutamente contra ele
com uma dupla negativa?
Nenhuma das anteriores, pensou Tony. Havia algo. Ele ainda não conseguia
ver. Seria parte da sacola de truques do Tony Virtual. Ele chegara ali primeiro, e
configurara o espaço segundo seu gosto. O Homem de Ferro teria que lidar com
esse problema antes de todos os outros; permitira que o inimigo escolhesse o
campo de batalha. Fora um erro fundamental, mas Tony não sabia como poderia
tê-lo evitado. Sabia, no entanto, como corrigi-lo. Era simples. Tinha que ser mais
firme e esperto, e um pouco mais maldoso que o Tony Virtual.
Pensou em Pepper, em Serena, Rhodey e Happy, e em todas as outras
pessoas que significavam algo para ele na Quarta-D. Sem corpo e sozinho no
amplo vazio de Lá Dentro, Tony teve uma espécie de epifania sobre aquilo de

que vinha de fato abrindo mão ao selar-se no Laboratório de ITR com suas
fantasias sobre o controle imediato.
O Tony Virtual responderia por isso.
E depois, também Arnim Zola.
Ele deu o último passo para o nada.
• • • •
Cinco minutos passados na contagem da MDP, um dos cabos da torre de
servidores foi cuspido da parede em meio a uma explosão de fagulhas e fumaça. A
picape não queimava mais com a intensidade de antes; Fury pensou que, assim
que pudessem aproximar-se dela novamente, eles contariam com mais uma
incursão por parte da Hidra vindo dessa direção. A última lhe custara três
homens. Ainda poderiam defender o local – pelos menos, ele achava que sim –,
mas se Zola aparecesse de novo, ou a Hidra lançasse mão de algo inusitado, ele
precisaria que Rhodey recuasse para dentro do edifício. Ninguém queria isso,
talvez somente Zola. Se as forças da S.H.I.E.L.D. ficassem presas dentro do
prédio, ele poderia ficar do lado de fora enfraquecendo-a quanto quisesse até
resolver entrar. Fury já tinha enviado um agente à procura de uma válvula que
fechasse os chuveiros automáticos, mas ficava perto demais de uma janela. A
Hidra tinha
snipers cobrindo todas elas. Então ficaram todos ali mesmo, se
molhando, e tudo ficou molhado. Cedo ou tarde, toda aquela água sobrepujaria
até os sistemas de
backup obsessivos de Tony.
Quando a torre do servidor de
backup ligou, Fury olhou para Pepper.
– Tudo bem até agora – ela disse, nervosa.
Tony era o trunfo da situação, pensou Fury. Se ele voltasse inteiro e pronto
para lutar, as coisas mudariam rapidamente. Senão, estariam todos acabados,
rápida ou lentamente, não faria diferença.
– É melhor Tony se apressar.
– É – Pepper respondeu. – Espero que ele saiba disso.
• • • •
Quanto tempo se passara na Quarta-D?, pensou Tony. Talvez ele precisasse
se apressar. No nada, surgiu um piso. Quando ele colocou os pés, o som ecoou por
paredes recém-criadas para receber o som e refletir o eco. Quando as ondas

sonoras criaram o espaço, ele foi totalmente preenchido: um cubo preto brilhante
com Tony parado no canto. No canto oposto, vestindo os pijamas preferidos dele
e uma bela jaqueta, estava o Tony Virtual.
– Então você chegou.
– Não tinha como ignorar o convite – Tony retrucou. – Como soube dos
clones?
– Ah, aquelas coisas velhas? Aqui Dentro, nem todo mundo guarda segredos.
Você, com certeza não guarda, principalmente de mim. – Uma taça de martíni
apareceu na mão do Tony Virtual. Deu um gole e deixou a taça cair. Ela sumiu
sem fazer ruído antes de tocar o solo, ou talvez o tenha atravessado e cairia
eternamente pela vastidão de Lá Dentro. – Você sabe que nada disso é realmente
como você está vendo, não?
– Até onde eu sei, se isto é como estou vendo, então é como isto é. Achei que
essa fosse uma das lições deste lugar.
– Lições? Não há lições aqui. – O Tony Virtual tirou a jaqueta. Ela também
desapareceu depois que ele a largou. – Tire a armadura. Vamos resolver isso feito
homens civilizados.
A última coisa no mundo que Tony queria era ser justo.
– Não – ele respondeu.
Tony Virtual abriu um sorriso maldoso.
– Não? Então tá. – Ele ergueu a mão e esticou os dedos. Tony ficou tenso. –
Acha que vou te atacar? – disse o Tony Virtual. – Ou atirar algum raio da morte?
Não. Não é assim que se faz. Erga o braço, como eu.
Não, pensou Tony. Mas seu braço levantou-se, palma para a frente, os dedos
esticados.
– Viu? – disse o Tony Virtual. – Vontade. Você acha que tem. Eu sou feito
dela. Sou vontade ambulante, e posso te obrigar a fazer o que eu quiser Aqui
Dentro.
Tony estava ciente do tempo e do medo, mas não sabia por quê. Detalhes,
causas e efeitos passaram por sua mente e sumiram antes que ele pudesse fixá-
los.
– Você está fraco porque tem sido você mesmo por tanto tempo que se
esqueceu de que precisa estar sempre tentando ser você para manter-se íntegro.
Não era para eu ter a chance de ser você, mas pelo visto eu vou ter, e pra minha
sorte você está fraco demais pra me impedir. Erga a outra mão, do mesmo jeito.
Tony ergueu, lutando contra o próprio braço.

– Agora vou até você, e vamos tocar as palmas das mãos, e quando isso
acontecer eu serei o único Tony Stark Aqui Dentro, ou na Quarta-D, ou em
qualquer lugar – disse o Tony Virtual. Ele deu um passo adiante.
Algo se partiu, como um fio invisível que mantinha a coesão do ar. Em meio à
vibração, o cômodo ficou um pouco menos cúbico, o negro, um pouco menos negro.
Tony Virtual olhou ao redor.
– Precisa ter cuidado com Zola – disse Tony.
Por um breve instante, ele se lembrou de algo acerca de Zola, e soube que
neste não se podia confiar. Era perigoso. Esse perigo tinha algo a ver com o que
acabara de acontecer.
– Não estou preocupado com Zola. Ele vai ficar sem corpos antes que eu fique
sem vontade.
Tony Virtual deu outro passo à frente, e outro fio invisível se partiu. Tony
pôde virar o rosto, não ouviu nada de diferente, mas sentiu que uma grande
porção de Lá Dentro acabara de desaparecer.
– Isso está acontecendo com todo mundo Aqui Dentro? O que você acha?
– Está acontecendo o quê? – zombou o Tony Virtual. – Comigo não está
acontecendo nada. O que está acontecendo com você? Não é forte o bastante pra
se manter intacto Aqui Dentro? Fique bem onde está. Vai acabar tudo num
minuto.
Ele se aproximou. Tony sentiu-se abobalhado, precisando de
desfragmentação, com falta de robustez e redundância. Sentia o toque do Lá
Dentro ilimitado, a sedução do infinito. Pra que querer voltar? Lá Fora havia
pessoas, Tony Stark entre elas, com suas necessidades e fracassos e desejos
complicados e contraditórios. Lá Dentro a transformação estava ao alcance do
pensamento…
Não.
Tudo voltou para ele de uma vez.
Eu me conheço, Tony pensou.Esse não é o
problema
.
– Estou tendo dificuldade mesmo – disse Tony – é com um pouco de senso de
eu demais. Que preguiçoso fraco autoaniquilador gostaria de ficar aqui dentro,
quando todas as garotas estão na Quarta-D?
Natureza
versus criação. O Tony Virtual odiava Tony por este ser o primeiro,
e amava Lá Dentro por não haver como saber quem era o primeiro, que Tony
Virtual era Tony Virtual. Lá Dentro dava para ser aquilo que a pessoa quisesse.
Mas era tudo criação, e em algum lugar dentro dele havia um núcleo incorrigível
da natureza de Tony Stark, e se havia alguma coisa que o definia, era seu apreço

por vinhos, mulheres e música. Tony Virtual lutou por um breve instante contra
essa erupção do desejo pelos prazeres da vida, da vida física real – e Tony
aproveitou esse momento de fraqueza e distração. As mãos já estavam para o
alto, as palmas, para a frente, então foi a coisa mais fácil do mundo arremessar o
Tony Virtual através da parede preta brilhante para o nada.
Tony mergulhou logo atrás, os projetores de força ainda fumegando, porque
era isso que a mente dele esperava que fizessem mesmo sabendo como
funcionavam. Ele acelerou mais rápido que o Tony Virtual e o capturou. Lá
embaixo, Tony viu o rio de dados, aparecendo exatamente onde ele queria. Cada
território possuía suas próprias regras. Ele levara muito tempo para aprendê-las,
mas aprendera. Caberia ao Tony Virtual sofrer as consequências – e muito
provavelmente Tony Stark as sofreria também. Os dois foram caindo.
Só havia um
modo de sobreviver
, pensou Tony. Ele aprendera bastante sobre isolamento, mas
isso falhara. Era hora de tentar a união.
– Desculpe, Júnior – disse Tony enquanto caíam. – Você não viveu o bastante
pra saber o que é vontade.
Tony Virtual debateu-se, tentando libertar-se do outro, mas tratava-se de
Tony Stark. O Homem de Ferro. Ele se refez caindo do nada com uma casca vazia
de si mesmo, e não a soltou até que mergulharam juntos no rio de dados, que
ondulou e rodopiou para baixo, levando para Lá Fora.
• • • •
– Trinta segundos – disse Pepper. A torre do servidor ardia e fumegava, mas,
de acordo com o terminal, a MDP ainda funcionava. Estava lenta, no entanto.
Deus, como estava lenta. E a mente é uma grande base de dados. Será que o
sistema sobreviveria o suficiente para tirar Tony por inteiro do… ciberespaço?
Seria essa a palavra?
O que aconteceria se apenas parte dele voltasse?
Fury leu os pensamentos dela, pelo visto.
– Nem pense nisso. Fique de olho no sistema. Controle o que pode controlar.
Precisamos de você a postos, Pep.
Ela fez que sim, mas não conseguiu olhar para ele. Não conseguia olhar para
ninguém. Podia apenas olhar para a contagem regressiva na tela, até o momento
em que a MDP começaria a retirar Tony Stark da vastidão virtual de seu exílio.
• • • •

Serena Borland nem vacilou quando a fábrica de chocolate explodiu às suas
costas. Uma alegria contundente cresceu dentro dela quando ela se voltou para
olhar e viu a bola de fogo, preta na borda.
Morram, ela pensou. Todos vocês.Pedaços de alvenaria e vidro e do maquinário de Zola caíram do céu, pingando aos
estilhaços sobre o asfalto partido da 49ª Rua. Ela supôs que, se continuasse a
andar, chegaria a alguma rua que conhecia. Parecia estar no Bronx, talvez, mas a
rua devia estar errada. Não havia uma 49ª no Queens? No Brooklyn também.
Não importava. Ela olhou para o céu, que não via fazia três semanas, e pensou
que continuava viva. Todos aqueles soldados morreram lá dentro, mas ela
continuava viva. Era preciso agradecer-lhes por isso.
O som de sirenes se aproximou. Serena nem deu bola. Em parte, ela pensou
estar sofrendo algum tipo de reação de estresse. Devia estar um pouco mais
apavorada, correr pela rua e gritar para os transeuntes, mas não conseguia juntar
forças. O único pensamento firme que tinha em mente era que não queria mais
fazer parte do mundo de Tony Stark. Ele até que era um cara legal – e um gato,
rico, e pertencia aos círculos sociais dos quais Serena gostava de participar –, mas
o fato era que, se sair com um cara acabava fazendo a pessoa ser sequestrada,
clonada, quase morta e explodida pelos ares, era preciso aceitar que haveria
sérios obstáculos para a construção de tal relacionamento.
Ela pensou que podia ligar para ele e dizer isso. Mas estava sem o celular, e
ele devia estar ocupado com a questão Zola. Ele podia ligar também. Naquele
momento, tudo o que ela quis foi achar um táxi, ir para casa, ligar para a mãe e
não fazer nada além de assistir TV e olhar pela janela. Só para ver que
continuava tudo ali, que ela continuava viva e fazia parte de tudo.
  

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