domingo, 20 de novembro de 2016

CONSCRITO 960

A fera primitiva dominadora


A fera primitiva dominadora habitava robusta dentro de Buck e, sob as
ferozes condições da vida nas trilhas, foi crescendo cada vez mais. Todavia, foi
um crescimento secreto. Sua astúcia recém-adquirida lhe conferiu o controle de
si mesmo e mesmo uma certa elegância em suas ações. Estava atarefado
demais em ajustar-se às condições da nova vida para sentir-se à vontade, e não
somente não procurava brigas como fugia delas sempre que possível. Uma certa
deliberação caracterizava suas atitudes. Não se inclinava para ações rápidas e
precipitadas; e, no rancor amargo que crescia entre ele e Spitz, não traía sua
impaciência e evitava qualquer ato que pudesse ser ofensivo.
Por outro lado, provavelmente porque adivinhava que Buck era um rival
perigoso, Spitz nunca perdia uma oportunidade de mostrar-lhe os dentes. Ele até
mesmo procurava ocasiões e pretextos para impor-se a Buck, tentando
constantemente iniciar a luta que só poderia terminar com a morte de um ou de
outro.
Isto já poderia ter ocorrido no início da viagem, se não fosse por um
acidente imprevisto. No final desse dia, eles tinham montado acampamento em
um lugar soturno e miserável junto às margens de uma pequena extensão de
água congelada a que chamavam de lago Le Barge. Uma forte nevasca, ventos
que cortavam como uma faca em brasa e a escuridão resultante da tempestade
os tinham forçado a andar às apalpadelas em busca de um ponto para acampar.
Dificilmente poderiam ter encontrado um lugar pior. Às suas costas erguia-se
uma muralha perpendicular de rocha e Perrault e François foram obrigados a
fazer uma fogueira e estender seus cobertores diretamente sobre o gelo do lago.
Haviam deixado a tenda em Dy ea a fim de viajarem com menos peso.
Recolheram uns poucos pedaços de madeira flutuante e fizeram uma pequena
fogueira, que derreteu o gelo e afundou, obrigando-os a fazer a refeição no
escuro.
Bem encostado na rocha protetora, Buck escavou seu ninho. Sentia-se tão
quente e confortável dentro dele que mal conseguiu sair quando François
distribuiu os pedaços de peixe que primeiro descongelou no fogo. Porém quando
Buck terminou sua ração e retornou, descobriu que seu buraco estava ocupado.
Um rosnado de advertência informou-o de que o invasor era Spitz. Até este
momento, Buck tinha evitado encrencas com seu inimigo, mas esta era a última
gota. A besta que habitava dentro dele rugiu. Saltou sobre Spitz com uma fúria
que surpreendeu aos dois, particularmente ao outro cão, porque toda a sua
experiência anterior com Buck lhe havia feito supor que seu rival fosse um
cachorro extremamente tímido, que só conseguia defender-se por causa de seu
tamanho e de seu peso.

François também se surpreendeu, quando eles saltaram enroscados do ninho
desfeito, e adivinhou a causa do problema.
– Aaaah! – gritou ele, entusiasmando Buck. – Dá nele! Minha nossa! Mostra
pra ele, o ladrãozinho sujo!
Spitz estava tão disposto quanto Buck. Uivava de pura raiva e sanha
sanguinária, enquanto girava, recuava e avançava à espera de uma chance para
saltar. Buck não estava menos ansioso por sangue, nem tomava menos
precauções, pois igualmente fazia círculos ao redor do outro, negaceava e saltava
para trás, aguardando uma posição vantajosa. Mas foi então que ocorreu o
inesperado, um evento que projetou sua luta pela supremacia para o futuro
distante, depois de muitas milhas de trilha e de trenó.
Uma imprecação de Perrault, o impacto ressonante de um porrete sobre
uma forma esquelética e um ganido agudo de dor anunciaram o início do
pandemônio. Subitamente, percebeu-se que o acampamento estava cercado por
criaturas peludas e sorrateiras, oitenta ou cem delas, que tinham farejado os
estranhos desde alguma aldeia dos índios. Tinham entrado furtivamente enquanto
Buck e Spitz lutavam, e quando os dois homens pularam no meio deles com seus
porretes grossos, eles mostraram os dentes e resistiram. Estavam enlouquecidos
pelo cheiro da comida. Perrault viu um com o focinho enterrado na caixa das
provisões. Seu porrete caiu pesadamente sobre as costelas magras, mas a caixa
virou e seu conteúdo espalhou-se pelo chão. No instante seguinte, vinte das bestas
esfaimadas estavam lutando pelo pão e pelo toucinho. As cacetadas caíam sobre
eles sem fazer o menor efeito. Eles ganiam e uivavam de dor enquanto as
pancadas lhes choviam em cima, mas seguiam lutando e engolindo loucamente
até que a derradeira migalha tivesse sido devorada.
Enquanto isso, os espantados cães de trenó tinham pulado para fora de seus
ninhos somente para serem assaltados pelos ferozes invasores. Jamais Buck vira
cães como estes. Eram tão magros e famélicos que parecia que seus ossos se
projetavam para fora da pele. Eram praticamente esqueletos enrolados
frouxamente em peles esfarrapadas que pendiam de seus membros, os olhos
cintilantes e a baba escorrendo dos caninos. Mas a loucura da fome os tornava
assustadores, irresistíveis. Era impossível combatê-los. Os cães de trenó foram
lançados contra o barranco no primeiro assalto. Buck foi atacado por três
huskiese, em um abrir e fechar de olhos, sua cabeça e espáduas estavam mordidas e
dilaceradas. O barulho era de entontecer. Billee chorava, como de costume.
Dave e Sol-leks, jorrando sangue de dezenas de feridas, combatiam bravamente
lado a lado. Joe mordia como um demônio. Houve um momento em que seus
dentes se fecharam na pata dianteira de um dos
huskies e ele a mordeu até
estalar o osso. Pike, o preguiçoso, saltou sobre o animal ferido, quebrando-lhe o
pescoço com uma mordida rápida e um safanão. Buck prendeu um adversário
coberto de baba pela garganta e ficou borrifado de sangue quando seus dentes

afundaram até a jugular. O gosto quente na boca incitou sua fúria. Lançou-se de
imediato sobre outro e ao mesmo tempo sentiu uma dentada afundando-se em
sua própria garganta. Era o traiçoeiro Spitz, que aproveitava a ocasião para
atacá-lo pelo flanco.
Perrault e François, tendo limpado sua parte do acampamento, correram
em auxílio de sua equipe de cães. A onda selvagem de feras famintas recuou
como a maré baixa diante deles e Buck sacudiu-se e viu-se de novo livre. Mas foi
somente por um instante. Os dois homens foram obrigados a correr de volta para
salvar os alimentos e no mesmo momento os
huskies retornaram para renovar o
ataque sobre a matilha do trenó. Billee, a quem o terror emprestara coragem,
saltou sobre o círculo selvagem e fugiu através do gelo. Pike e Dub o seguiram de
perto, com o resto da matilha pouco mais atrás. Buck estava reunindo forças para
um salto que o levaria atrás deles, quando, pelo canto dos olhos, viu Spitz atirar-se
para seu lado com a intenção evidente de derrubá-lo no chão. No momento em
que perdesse o pé e caísse sob a massa de
huskies, não teria mais a menor
esperança. Mas ele firmou-se nas patas para enfrentar o impacto da carga de
Spitz e depois reuniu-se ao grupo em fuga que atravessava o lago congelado.
Mais tarde, os nove cães da equipe se reuniram e buscaram abrigo na
floresta. Embora não tivessem sido perseguidos, estavam em péssimas
condições. Não havia um só que não estivesse ferido em quatro ou cinco lugares,
alguns deles gravemente. Dub tinha uma ferida feia em uma das patas traseiras.
Dolly, uma cadela
husky, que fora a última a ser trazida para a matilha em
Dy ea, tinha um ferimento profundo no pescoço; Joe tinha perdido um olho;
enquanto Billee, o cão bem-humorado, com uma orelha mastigada da qual só
restavam farrapos, chorou e se lastimou durante toda a noite. Ao romper do dia,
eles voltaram ao acampamento assustados e vigilantes, para descobrir que os
assaltantes tinham desaparecido e os dois homens estavam de péssimo humor.
Metade de seus suprimentos alimentares tinha sido consumida. Os
huskies tinham
até mesmo comido os tirantes do trenó e as coberturas de lona. De fato, coisa
alguma, não importa quão remotamente comestível, tinha escapado a suas
investidas. Tinham comido um par dos mocassins de pele de alce que pertenciam
a Perrault, arrancado grandes dentadas dos arreios de couro e até mesmo
devorado mais de meio metro da ponta do chicote de François. Ele cessou de
contemplar melancolicamente o instrumento para examinar os cães feridos.
– Ah, meus amigo – falou baixinho – e agora, se vocês tudo fica cachorro
louco, com todas essas mordida. Quem sabe todos vira cachorro louco,
sacredam! Que é que você pensa, hein, Perrault?
O correio sacudiu a cabeça em dúvida. Com seiscentos e cinquenta
quilômetros de trilha ainda pela frente até Dawson,
[1] a última coisa de que
precisava era um surto de raiva entre os cães. Duas horas de trabalho árduo
entremeado de pragas recolocaram os arreios em condições de uso e a matilha,

com os membros entorpecidos pela dor das feridas, retornou à marcha, lutando e
sofrendo pela pior parte da trilha que já haviam enfrentado, que, por sorte, era
também o pior trecho do caminho que os separava de Dawson.
O rio das Trinta Milhas
[2] estava completamente descongelado. Suas águas
caudalosas desafiavam as nevascas e somente nos remansos e perto dos
redemoinhos é que se encontravam alguns trechos em que o gelo se havia
acumulado e dava passagem. Eram necessários seis dias de trabalho exaustivo
para cobrir quarenta e oito quilômetros extenuantes. Era uma vereda realmente
pavorosa, pois a cada meio metro surgia um novo risco de vida para os homens e
os cães. Uma dúzia de vezes, Perrault, que tateava pelo caminho à frente do
trenó, sentiu as pontes de gelo partirem-se-lhe sob as raquetes dos pés, salvandose somente porque trazia uma longa vara resistente e grossa, que carregava de tal
modo que sempre caía atravessada sobre os buracos abertos por seu corpo e lhe
servia de apoio para sair. Mas estavam passando por uma onda de frio, com o
termômetro registrando dez graus abaixo de zero e, de cada vez que ele
afundava, era forçado a acender um fogo e secar suas roupas, a fim de
conservar-se vivo.
Porém nada o intimidava. Era justamente porque nada o desanimava que
ele tinha sido escolhido como correio do governo canadense. Ele aceitava todos
os riscos possíveis e resolutamente lançava seu pequeno rosto enrugado contra as
rajadas de neve e lutava tenazmente da aurora até o anoitecer. Ele contornava as
margens perigosas sobre a superfície de gelo, que se enclinava e estalava sob
seus pés e que era fina e instável demais para que eles ousassem parar o trenó
sobre ela. Houve mesmo uma ocasião em que este afundou, arrastando consigo
Dave e Buck, e estes estavam meio congelados e quase afogados quando os
homens conseguiram puxá-los para fora. Foi necessário acender a fogueira de
costume a fim de salvá-los. Estavam envoltos em uma capa sólida de gelo e os
dois homens os obrigaram a correr por muito tempo ao redor do fogo, suando e
degelando, tão próximos das chamas que chegaram a ficar chamuscados.
Houve outra ocasião em que foi Spitz que afundou, arrastando pelos tirantes
de couro toda a parte da matilha que corria à frente de Buck, mas este resistiu e
fincou os pés no solo com quanta força tinha, suas patas dianteiras junto à beirada
escorregadia, e o gelo tremulando e se partindo ao seu redor. Mas atrás dele
estava Dave, também esforçando-se ao máximo para firmar-se, e por trás do
trenó, François, puxando com tanta força que seus tendões estalavam.
E mais uma vez, o gelo fino da beirada quebrou à frente e atrás deles, e não
havia meio de escapar, exceto subindo pela barranca. Perrault conseguiu escalá-
la miraculosamente, enquanto François rezava por um milagre igual; e depois de
improvisarem uma corda longa com cada pedaço de arreio, os cordões das
próprias botas e mais as correias que prendiam o equipamento ao trenó, os cães
foram içados, um a um, até o topo do rochedo. François foi o último a subir,

depois de empurrar para cima o trenó e a carga. Então sobreveio uma longa
busca por um lugar adequado para descer; mas a descida só se tornou possível
com o auxílio daquela mesma corda e a noite os encontrou de novo junto ao rio,
tendo avançado somente quatrocentos metros durante o dia inteiro.
Quando chegaram a Houtalinqua e ao gelo compacto, Buck estava
simplesmente exausto. O resto dos cães estava em situação semelhante; mas
Perrault, para compensar o tempo perdido, prosseguiu com as marchas forçadas,
desde antes do alvorecer até depois de cair a noite. No primeiro dia, eles
cobriram cinquenta e seis quilômetros até Big Salmon; no dia seguinte, mais
cinquenta e seis até o Little Salmon; e no terceiro dia, sessenta e cinco, o que os
deixou bem próximos da montanha dos Cinco Dedos.
[3]As patas de Buck não eram tão compactas e duras como as dos huskies.Haviam amolecido durante muitas gerações, desde os dias longínquos em que
seu último ancestral selvagem fora domado por um dos homens primitivos
denominados trogloditas, que moravam em cavernas; ou por um dos habitantes
das margens dos rios. Ao longo dos últimos dias ele coxeava em agonia e, assim
que o acampamento era montado, jazia como se estivesse morto. Faminto como
se achava, nem sequer se movia para ir buscar sua ração de peixe, e François
era obrigado a trazê-la até ele. O encarregado dos cães também lhe massageava
as patas durante meia hora, após a refeição de cada noite. Chegou mesmo a
sacrificar a parte superior de suas botas para fazer quatro pequenos mocassins
para Buck. Isto lhe foi de grande alívio, e Buck chegou mesmo a fazer o rosto
enrugado de Perrault retorcer-se em um sorriso certa manhã em que François
esqueceu-se de colocar-lhe os mocassins e Buckdeitou-se de costas, sacudindo as
quatro patas no ar, como se estivesse fazendo uma súplica, e recusou-se a se
mover sem eles. Porém, mais tarde, seus pés endureceram pelo contato
constante com a trilha, e os pedaços de couro com as solas gastas e perfuradas
foram jogados fora.
Uma manhã, junto à ilha Pelly, enquanto estavam sendo atrelados, Dolly,
que nunca havia chamado a atenção de ninguém por qualquer motivo em
particular, enlouqueceu subitamente. Anunciou sua condição por meio de um
longo e comovente uivo de lobo, cujo som estarrecedor deixou cada um dos cães
eriçados de medo, e então pulou na direção de Buck. Este nunca tinha visto um
cachorro louco, nem tinha qualquer razão para temer a raiva; todavia, ele
compreendeu o horror da situação e fugiu em pânico. Correu em frente, o mais
depressa que pôde, com Dolly, resfolegando e babando, apenas um salto atrás.
Ela não conseguia se aproximar dele, tão grande era o terror de Buck; mas ele
também não conseguia afastar-se de Dolly, tão grande era a loucura dela. Ele
mergulhou na mata que cobria o coração da ilha, desceu voando a parte mais
baixa, no lado oposto, cruzou um canal secundário coberto de gelo estilhaçado até
uma outra ilha, passou para uma terceira, fez uma curva para retornar ao canal

principal do rio e, em seu desespero, atirou-se às águas para atravessá-lo. E todo
o tempo, embora não parasse para olhar, podia escutar seus rosnados um pulo
atrás. François chamou-o de uma distância de quatrocentos metros e ele
redobrou a velocidade, mesmo assim ainda um pulo à frente, ofegando
dolorosamente e colocando toda a sua fé em François, certo de que este o
salvaria. O condutor dos cães o esperava imóvel, com os pés fincados no chão e
o cabo do machado seguro firmemente entre as mãos; no momento em que Buck
passou por ele a toda velocidade, o machado abateu-se violentamente sobre a
cabeça raivosa de Dolly.
Buck cambaleou até encostar-se ao trenó, exausto, inerme, a respiração
opressa e ofegante. Esta era a oportunidade que Spitz estava aguardando. Saltou
sobre Buck e duas vezes seus dentes se cravaram sobre o inimigo, que nem
resistia, cortando e rasgando a carne até os ossos. Então o chicote de François
caiu sobre ele e Buck teve a satisfação de assistir enquanto Spitz recebia a pior
sova até então administrada a qualquer membro da equipe.
– Esse Spitz é um diabo, eu garanto – observou Perrault. – Qualquer dia
desses, ele vai matar esse Buck.
– E esse Bucké dois diabo – contrariou François. – Todo esses tempo eu ando
pondo os zóio em riba desse Buck e estou seguro como quê. Escute só: quarqué
dia desses ele fica brabo que nem o inferno e então mastiga aquele Spitz véio de
cima a baixo e cospe os pedaço dele por essas neve toda. Seguro que vai, eu sei
muito bem.
A partir de então, a guerra estava declarada entre eles. Spitz, que era o cãoguia e o líder reconhecido da matilha, sentia sua supremacia ameaçada por este
estranho cão sulista. E Buck realmente lhe parecia muito estranho, porque tinha
conhecido muitos cães vindos do sul e nenhum deles tinha-se mostrado
verdadeiramente à altura do acampamento e da trilha. Todos eram delicados
demais, morriam de trabalhar, de frio e de fome. Buck era a exceção. Somente
ele suportava tudo e ainda prosperava, igualando-se a um
husky em força,
selvageria e esperteza. Porque ele era um cão dominador e o que o tornava ainda
mais perigoso era o fato de que o porrete do homem de suéter vermelho tinha
arrancado toda a audácia e precipitação cega que até então faziam parte de seu
desejo de domínio. Agora ele era acima de tudo ardiloso e podia esperar por
muito tempo até a ocasião adequada, com uma paciência que somente poderia
ser classificada como primitiva.
Era inevitável que a luta pela liderança ocorresse mais cedo ou mais tarde.
Buck a desejava. Queria lutar pela chefia, porque esta era sua natureza, porque
ele tinha sido capturado firmemente por aquele orgulho sem nome e
incompreensível que é o orgulho da trilha e dos tirantes – aquele orgulho que
prende os cães no trabalho até o último fôlego, que os leva a morrer alegremente
em seus arreios e que lhes parte os corações se forem cortados deles. Este era o

orgulho que animava Dave como o cão tirador, que incitava Sol-leks enquanto ele
puxava com toda a sua força; o orgulho que se assenhoreava de todos eles
quando o acampamento era levantado, transformando-os de brutos irritadiços e
rabugentos em criaturas ambiciosas, ansiosas e esforçadas; orgulho esse que os
esporeava o dia inteiro e somente os abandonava quando o acampamento era
montado já noite escura, deixando-os cair ao solo em um descontentamento
inquieto e melancólico. Este era o orgulho que incitava Spitz e fazia com que este
castigasse os cães de trenó que erravam uma manobra ou deixavam de se
esforçar no trabalho, ou ainda que se escondiam na hora de serem atrelados de
manhã. E de forma semelhante, era este orgulho que o fazia temer Buck por
perceber que este também tinha as qualidades necessárias para um cão líder. E
este era o orgulho que também despertara em Buck.
A partir de então, começou a ameaçar abertamente a liderança do outro.
Intrometia-se entre ele e os retardatários que deveria punir. E fazia isso com toda
a deliberação. Uma noite, houve uma pesada nevasca e quando chegou a manhã,
Pike, o preguiçoso, não apareceu. Estava escondido com toda a segurança dentro
de seu ninho, sob quase meio metro de neve. François o chamou várias vezes e
procurou-o em vão. Spitz estava tomado de fúria. Corria ferozmente ao redor do
acampamento, farejando e escavando em qualquer lugar provável, rosnando tão
furiosamente, que Pike escutou e tremeu dentro de seu esconderijo.
Mas quando ele foi finalmente desenterrado e Spitz saltou sobre ele para
castigá-lo, Buck saltou no meio dos dois com uma fúria igual. Foi um ato tão
inesperado e calculado de uma forma tão sagaz, que Spitz foi jogado para trás e
caiu de costas no chão. Pike, que antes tremia desprezivelmente, tomou coragem
ao ver este motim declarado e lançou-se sobre seu líder prostrado. Buck, para
quem as regras de uma luta justa pertenciam a um código esquecido, atirou-se
igualmente sobre Spitz. Mas François, soltando uma risadinha divertida perante o
incidente, ainda que permanecesse inabalável em sua administração da justiça,
largou a chibata sobre as costas de Buck com toda a sua força. Só que isto não
bastou para afastar Buck do rival tombado, e foi necessário usar o cabo do açoite.
Meio estonteado com o golpe, Buck caiu de costas e o chicote desceu sobre ele
uma porção de vezes, enquanto Spitz aplicava uma punição em regra em Pike,
como castigo por suas muitas ofensas.
Nos dias que se seguiram, enquanto Dawson ficava cada vez mais próxima,
Buckainda continuava a interpor-se entre Spitz e os culpados; mas agora procedia
de forma bem mais arguta, somente se metia quando François não estava por
perto. Com o motim disfarçado de Buck, uma insubordinação geral surgiu e
cresceu entre os cães. Dave e Sol-leks não foram afetados, mas o restante da
matilha ia de mal a pior, tornando-se cada vez mais insubordinados e insolentes.
As coisas não funcionavam mais da maneira correta. Havia constante disputa e
revolta. Surgiam problemas o tempo todo e na raiz de tudo estava Buck. Ele

mantinha François ocupado o tempo todo, porque o condutor dos cães estava em
constante apreensão, temendo a luta de vida e morte entre os dois cães, que sabia
muito bem iria ocorrer mais cedo ou mais tarde; e em mais de uma noite, os sons
de brigas e desavenças entre os outros cães o fizeram sair de baixo de seus
cobertores, temeroso de que finalmente Buck e Spitz estivessem travando o
combate final.
Todavia, a oportunidade não se apresentou, e numa tarde triste e
melancólica eles chegaram a Dawson com a grande batalha adiada mais uma
vez. Aqui se reuniam muitos homens, e inúmeros cachorros, e Buck notou que
todos trabalhavam o tempo todo. Parecia a ordem natural das coisas que os cães
trabalhassem assim. Durante todo o dia eles andavam para cima e para baixo ao
longo da rua principal em longas filas e, à noite, ainda se escutava o tilintar dos
guizos que traziam ao pescoço. Carregavam toros para a construção de cabanas,
transportavam lenha para as fogueiras, levavam mercadorias e provisões até as
minas e, de um modo geral, executavam todos os tipos de trabalho realizados
pelos cavalos no vale de Santa Clara. Aqui e ali Buck encontrava cães sulistas,
mas a maior parte pertencia à raça selvagem dos
huskies mestiços com lobos.
Todas as noites, regularmente, às nove horas, à meia-noite e às três da
madrugada, eles erguiam aos céus sua canção noturna, um canto estranho e
sobrenatural, ao qual Buck logo sentiu grande prazer em juntar sua voz.
Com a aurora boreal
[4] fosforescendo friamente acima de suas cabeças ou
as estrelas saltitando na dança da geada e a terra amortecida e gélida sob seu
manto funeral de neve, este coro dos
huskies poderia muito bem ser o desafio da
vida; entretanto, era interpretado em um tom menor, com longos gemidos
pontilhados por soluços interrompidos, e representava mais a súplica da vida por
misericórdia, a expressão articulada dos sofrimentos da existência. Era uma
velha canção, tão velha como a própria raça, uma das primeiras canções do
mundo mais jovem, em que todas as canções eram tristes. Estava revestida das
infelicidades de inumeráveis gerações, era um lamento pungente que despertava
em Buck as mais estranhas lembranças. Quando ele se unia ao coro e gemia e
soluçava, era com a dor de viver que outrora era a dor de seus antepassados
selvagens, e com o mistério e medo do frio e do escuro que eram para eles o
desconhecido e o horror do gelo e da escuridão. E o fato de tudo isto despertar
agora dentro dele marcava o seu completo retorno através das eras, do fogo e da
proteção de um teto até as rudes origens de seus ancestrais, quando se punham
juntos a uivar.
Sete dias depois que haviam chegado a Dawson, desceram a barranca
íngreme que ficava junto ao posto militar e retomaram a trilha do Yukon,
[5] em
direção a Dyea e Salt Water. Perrault tinha sido encarregado de despachos que
continham mensagens ainda mais urgentes do que aquelas que havia trazido;
ademais, o orgulho da trilha também o havia conquistado e ele pretendia fazer a

viagem de volta em um tempo que seria lembrado como o melhor do ano.
Diversas coisas o favoreciam nesta pretensão. O repouso de uma semana tinha
permitido que os cães se recuperassem e agora se achavam em perfeitas
condições. A trilha que eles haviam aberto através dos campos gelados estava
agora compactada pelos viajantes que os haviam seguido. Melhor ainda, a polícia
montada havia estabelecido em dois ou três lugares ao longo do caminho
depósitos de alimentos para cães e para humanos, o que lhe permitiria viajar
com muito menos peso.
Completaram a
Sixty Miles [sessenta milhas, o equivalente a cem
quilômetros], uma trilha de, na verdade, cinquenta milhas [oitenta quilômetros],
ainda no primeiro dia; e no dia seguinte, corriam rio acima pelo curso do Yukon a
uma boa distância de Pelly. Mas essa esplêndida corrida só foi realizada porque
François enfrentou com sucesso muitas dificuldades e aborrecimentos. A revolta
insidiosa liderada por Buck tinha destruído a solidariedade da equipe. Não
funcionava mais como um único cão a puxar os tirantes do veículo. O
encorajamento que Buck dava aos rebeldes levou-os a cometer todo o tipo de
pequenos desvios da conduta desejada pelo líder. Spitz não era mais o chefe
inconteste que todos temiam. O antigo temor desaparecera e os subordinados
começaram a desafiar-lhe a autoridade. Pike roubou-lhe meio peixe certa noite e
engoliu-o sob a proteção de Buck. Em outra noite, Dub e Joe lutaram contra Spitz
e resistiram até que ele abandonasse a ideia de aplicar-lhes um castigo merecido.
Até mesmo Billee, o cachorro manso, tinha perdido boa parte de sua mansidão e,
quando gania, não era mais no tom suplicante dos primeiros dias. Buck nunca
chegava perto de Spitz sem rosnar e eriçar-se ameaçadoramente. De fato, sua
conduta estava começando a assemelhar-se à de um valentão e costumava exibir
sua força e tamanho bem à frente do focinho de Spitz.
Essa quebra de disciplina afetou também as relações entre os cães. Eles
brigavam e implicavam uns com os outros muito mais do que antes e, certas
vezes, o acampamento parecia um hospício cheio de loucos ululantes. Somente
Dave e Sol-leks permaneciam inalterados, embora estivessem bem mais
irritadiços devido ao tumulto constante. François soltava imprecações estranhas,
batia com os pés na neve com raiva e sentindo-se impotente, e chegava a
arrancar os cabelos. Sua chibata cantava o tempo todo entre os cães, mas não
surtia grande efeito. Assim que virava as costas, eles recomeçavam as disputas.
Ele apoiava Spitz com o chicote, mas Buck dava apoio ao restante da equipe.
François sabia que era ele quem estava por trás de todos os seus aborrecimentos
e Buck sabia que ele sabia; mas o cão era esperto demais para ser preso em
flagrante uma segunda vez. Trabalhava na trela com grande esforço e fidelidade,
porque agora a tarefa antes aborrecida se transformara em um motivo de prazer;
mas era uma delícia muito maior provocar ardilosamente uma briga entre seus
companheiros até que os tirantes do trenó ficassem completamente enredados.

Na embocadura do arroio Tahkeena, uma noite após a ceia, Dub desentocou
um coelho da neve, saltou sobre ele e errou o pulo. Em um segundo, a matilha
inteira se lançara à perseguição. A cem metros de distância, havia um
acampamento da Polícia do Noroeste, uma divisão da Polícia Montada
Canadense; e seus cinquenta cães, todos
huskies, juntaram-se à caçada. O coelho
correu rio abaixo, desviou-se para um pequeno riacho cuja superfície congelada
estava coberta de neve recente. Correu agilmente por cima dos montes frouxos
de neve, em que os cães afundavam as patas e só mantinham o ritmo pela força
bruta. Buck liderava a alcateia, sessenta cães atrás dele, dobrando curva após
curva, mas não conseguia ganhar terreno. Dedicou-se totalmente à corrida,
ganindo ansiosamente, seu corpo esplêndido avançando como um relâmpago,
salto após salto sob a palidez branca do luar. Mas incansável em seus pulos,
semelhante a um fantasma criado pela geada, o coelho da neve voava à sua
frente como um corisco.
Todo aquele despertar de velhos instintos, os mesmos que em certos períodos
impelem os homens a sair do barulho da cidade e procurarem as florestas e
pradarias pelo prazer de matar animais com bolinhas de chumbo quimicamente
propelidas, a sede de sangue, a alegria de matar – tudo isto surgira dentro de
Buck, só que nele era uma sensação infinitamente mais íntima. Ele estava
avançando à frente da alcateia, perseguindo um animal selvagem, cuja carne
era viva e saborosa; e queria matar com seus próprios dentes e molhar o focinho
até os olhos no sangue quente.
Há um êxtase que marca o apogeu da vida, um ponto além do qual a vida
não pode mais se erguer. E a vida é tão paradoxal, que este êxtase chega quando
a sentimos em sua maior plenitude, e ao mesmo tempo ele se torna em um
esquecimento total de que estamos vivendo. Este êxtase, este esquecimento da
existência, derrama-se com frequência sobre o artista, que é capturado e
arrastado para fora de si mesmo em um lençol de chamas; recai sobre o soldado,
enlouquecido pela guerra em uma batalha acirrada, que não dá nem pede
quartel; e infundiu-se inteiramente em Buck, na liderança da matilha, soltando o
velho grito de combate dos lobos, esforçando-se para capturar aquele alimento
vivo que fugia velozmente diante dele, refletindo a luz da lua. Seu grito revelava
as profundezas de seu caráter, e as partes de sua natureza que eram mais
profundas do que ele próprio, aqueles instintos e sentimentos que retornavam ao
ventre do Tempo. Estava dominado pelo puro esplendor da vida, a maré do ser, a
alegria perfeita de cada músculo, junta e tendão, percebidos simultaneamente
em separado e em conjunto, aquele ressurgir interior de tudo que contrariava a
morte, que brilhava e se erguia, expressava-se em movimento e voava
exultantemente sob as estrelas e sobre a superfície morta da matéria inerte e
imóvel.
Mas Spitz, frio e calculista, mesmo nos piores momentos, deixou a matilha e

atalhou por cima de uma pequena elevação do terreno ao redor da qual o regato
fazia uma curva. Buck não percebeu, e no momento em que rodeava a mesma
curva, com o fantasma do nevoeiro ainda saltando elusivo à sua frente, viu outro
espírito da geada, maior e mais forte, pular da margem do regato e cair
diretamente à frente do coelho. Era Spitz. O coelho não conseguiu dar a volta e
quando os dentes brancos quebraram-lhe a espinha em pleno ar, ele soltou um
grito agudo, tão alto como o berro instintivo de um homem ferido. Ao escutá-lo, o
grito da Vida que tombava do auge da vida nas garras da Morte, a matilha inteira,
que seguia Buck, exultou em um coro infernal de prazer.
Mas Buck nem gritou nem exultou. Nem sequer interrompeu sua corrida,
mas lançou-se sobre Spitz, ombro contra ombro, com tanta violência que erroulhe a garganta. Rolaram engalfinhados vezes sem conta sobre o solo, fazendo a
neve macia erguer-se em nuvens como poeira. Spitz pôs-se novamente em pé
quase como se não tivesse sido derrubado, fazendo um talho com os dentes no
ombro de Buck e imediatamente pulando para trás. Duas vezes bateu com os
dentes no ar, estalando audivelmente, como os dentes de aço de uma armadilha,
ao mesmo tempo que recuava para obter melhor apoio no chão, seus beiços
magros arreganhados e retorcidos pelos rosnados.
Para Buck, a revelação veio como um raio. A hora era chegada. Seria um
combate até a morte. Enquanto davam círculos, um ao redor do outro, rosnando,
roncando no fundo das gargantas, as orelhas voltadas para trás e encostadas
contra os crânios, procurando atentamente um ponto de vantagem, a cena brilhou
diante dos olhos de Buck como se lhe fosse familiar. Era tal como se recordasse
de tudo – os bosques brancos, a terra, o luar e a emoção da batalha. Sobre a
brancura e o silêncio derramou-se uma calma espectral. O vento não provocava
o menor murmúrio – nada se movia, nem uma folha tremia, as respirações dos
cães se condensando visivelmente no ar, erguendo-se lentamente e formando
pequenas nuvens na atmosfera gélida. Eles já haviam devorado totalmente o
coelho da neve, estes cães que eram lobos mal domados; e agora se reuniam em
um círculo expectante. Todos estavam silenciosos, somente os olhos brilhavam e
sua respiração erguia-se lentamente para o alto. E para Buck, nada disto era novo
ou estranho, era uma cena dos tempos primitivos. Era como se tivesse sido
sempre assim, a maneira natural como as coisas deveriam transcorrer.
Spitz era um combatente experimentado. Desde Spitzbergen, através do
Ártico, enquanto percorria o Canadá e as Terras Desnudas, tinha derrotado todo
tipo de cães e imposto sua dominância sobre eles. Estava tomado de uma cólera
terrível, mas não de uma fúria cega. Acometido de uma paixão por rasgar e
destruir, nunca esquecia de que seu inimigo também estava possuído por idêntica
paixão para rasgá-lo e destruí-lo. Nunca atacava até estar pronto para enfrentar
um assalto; nunca avançava antes de primeiro defender-se do assédio do
adversário.

Buck tentou em vão cravar os dentes no pescoço do grande cão branco.
Sempre que seus caninos avançavam em busca da carne mais macia, eram
contidos pelas presas de Spitz. Presa batia contra presa e os beiços de ambos os
animais se cortavam e sangravam, mas Bucknão conseguia penetrar a guarda do
inimigo. Então encheu-se de vigor e envolveu Spitz em um redemoinho de
investidas. Vezes sem conta tentou atingir a garganta branca como a neve, onde a
vida borbulhava tão perto da superfície, e todas as vezes. Spitz lhe dava mais um
corte e se escapava. Então Buck iniciou uma série de investidas, fingindo alvejar
a garganta; subitamente trazia a cabeça para trás e para o lado e batia com a
espádua como se fosse um aríete contra os ombros de Spitz, procurando derrubá-
lo. Mas em vez disso, era o ombro de Buck que recebia um novo talho, enquanto
Spitz pulava agilmente para fora de seu alcance.
Spitz estava intocado, enquanto Buck estava coberto de sangue e ofegante. O
combate se tornava desesperado. E durante todo o tempo, o círculo silencioso de
cães-lobos aguardava a fim de acabar com qualquer dos combatentes que caísse
primeiro ao solo. Percebendo que Buck estava ficando sem fôlego, Spitz
começou a acuá-lo e o manteve cambaleando para manter o equilíbrio. Chegou
mesmo a derrubá-lo uma vez e o círculo inteiro de sessenta cães movimentou-se;
mas ele recobrou-se imediatamente, mal tocando o solo, quase dando um salto
mortal e a alcateia acalmou-se e retomou a espera.
Porém Buck possuía a qualidade que conduz à grandeza – imaginação.
Estava lutando por instinto, mas também podia lutar de acordo com uma
estratégia traçada em sua cabeça. Avançou sobre o outro, como se estivesse
tentando de novo o velho truque do empurrão com o ombro, mas no último
instante desviou-se rente à neve e abocanhou. Seus dentes se fecharam sobre a
pata dianteira esquerda de Spitz. Escutou-se o estalar dos ossos e agora o cão
branco o enfrentava somente com o apoio de três patas. Três vezes, Buck tentou
empurrá-lo para o chão, como fizera antes, mas da quarta, pegou-o novamente
desprevenido, repetiu o truque e quebrou-lhe a pata dianteira direita. Apesar da
impotência, Spitz lutou enlouquecidamente para manter sua posição. Em seu
desespero, ele percebia muito bem o círculo silencioso, os olhos cintilantes, as
línguas ondulantes, o bafo prateado das respirações erguendo-se lentamente,
pronto a atirar-se sobre ele, do mesmo modo que vira tantas vezes jogar-se sobre
os antagonistas que derrotara no passado. Só que desta vez, era ele o derrotado.
Não lhe restava nenhuma esperança. Buck era inexorável. Misericórdia era
um sentimento reservado para climas mais amenos. Planejou cuidadosamente a
manobra que o levaria ao ataque final. O círculo se havia apertado a um ponto
em que podia sentir a respiração quente dos
huskies soprando sobre seus flancos.
E também podia vê-los, além da forma semiprostrada de Spitz e dos dois lados,
já com o bote meio armado, seus olhos fixos sobre a luta. Pareceu sobrevir uma
pausa. Todos os animais estavam totalmente imóveis, como se feitos de pedra.

Somente Spitz tremia e se eriçava, enquanto manquitolava para frente e para
trás, rosnando ameaças terríveis, como se pudesse amedrontar a morte que se
aproximava. Então Buck pulou em sua direção e imediatamente saltou para o
lado, mas, enquanto avançava, seu ombro finalmente fez contato direto com a
espádua do outro. O círculo escuro transformou-se em um ponto sobre a neve
inundada de luar, enquanto Spitz desaparecia de vista. Buck ficou parado
contemplando a cena, o campeão triunfante, a besta primordial e dominante que
tinha matado seu rival e visto que isso era bom.
[
1]. Cidadezinha localizada no centro de Yukon, no Canadá, próxima à fronteira
com o Alasca, antigamente Dawson City. Foi fundada em 1898, durante a corrida
do ouro, e chegou a ter 35.000 habitantes. Mas, passada a febre do ouro, diminuiu
para 800, e hoje em dia tem mais ou menos mil moradores permanentes. As
lavras foram descobertas no rio Klondike, afluente da margem direita do Yukon,
com 180km de extensão; e hoje se acham esgotadas. (N.T.)
[
2]. O Thirty Mile River é um curso de água caudaloso com cerca de 50km de
extensão, localizado no centro-oeste do território de Yukon, que desce das
montanhas da Costa Setentrional. (N.T.)
[
3]. Pequenos afluentes do grande rio Yukon (3.290km), que nascem nos montes
Chilkat (ou Chilkoot) e são alimentados pela neve. Os
Five Fingers constituem o
primeiro afloramento dos Chilkat. (N.T.)
[
4]. A aurora boreal, também chamada de “Luzes do Norte”, é um fenômeno
que ocorre nas camadas superiores da atmosfera, em latitudes próximas aos
polos. No Polo Sul denomina-se Aurora Austral. É uma luz difusa, com faixas e
arcos brilhantes e coloridos. (N.T.)
[
5]. O rio Yukon nasce nos Montes Chilkat ou Chilkoot, na Colúmbia Britânica, e
corre para o norte, através do território do mesmo nome e depois para noroeste
através do Alasca, indo desaguar no estreito de Behring através de um delta de
múltiplos braços, depois de receber inúmeros afluentes e percorrer cerca de
3.290km. A trilha do Yukon, seguida por Buck e seus companheiros, percorre as
cabeceiras do Yukon, neste território e na Colúmbia Britânica, e não o seu curso
inferior através do estado americano do Alasca. (N.T.)
  

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