sábado, 5 de novembro de 2016

CONSCRITO 769

A PRIMEIRA COBRA



Nesta lenda, conta-se a origem de uma autêntica cobra indígena, da
mesma estirpe da Cobra-Grande, ser bruto e irracional que só pensava em
comer e devastar.
Eis como, segundo os índios kaiapós, a cobra veio ao mundo.
A história começou quando um casal de índios, farto de viver na aldeia,
resolveu emigrar para outras terras. Depois de muito andarem, acharam um
lugar ideal e ali se estabeleceram.
Certa tarde, o índio foi banhar-se num igarapé, que é um pequeno rio.
Acontece que riozinho era encantado, e ele logo se viu transformado na primeira
cobra do mundo.
Ao retornar para casa, o homem-cobra deu um susto na mulher, que nunca
tinha visto nada parecido na vida.
– Socorro! Acuda, meu marido! – berrava ela, histérica.
– Sossega, sou eu! – sibilou a cobra.
A mulher custou a aceitar o fato de que teria de viver para sempre ao lado
daquele ser horroroso que matava e comia os animais da mata.
O tempo passou, e os índios da antiga aldeia mandaram um mensageiro
saber o que fora feito do casal. O índio chegou e encontrou só a mulher.
– Como estão as coisas? – disse ele.
A mulher procurou sorrir e disse que ia tudo bem.
Mas o mensageiro, sentindo que ela escondia algo, insistiu:
– Onde está o seu marido?
– O pobre morreu! – disse a índia.
– Vamos, fale a verdade! – disse o mensageiro.
Então ela confessou, de uma vez, que o marido virara uma cobra. Desta
vez, a pobrezinha chorava de verdade.
– Pois quero ver se é verdade! – disse o mensageiro, acomodando-se na
rede.
Dali a pouco, escutou-se o ruído de algo que se arrasta. Era a cobra de
volta das suas matanças. A criatura havia aumentado dez vezes de tamanho
desde o seu surgimento.
O índio ficou tão apavorado que fugiu de volta para a aldeia.
Dali a alguns dias, apareceu outro índio.
– Quero ver como é a cobra – disse ele à esposa do ofídio.
E foi esconder-se num jirau, dentro da casa. Assim que a cobra entrou,
espichou a língua fendida e captou o odor da presença humana.
– Estou sentindo cheiro de gente! – sibilou a cobra.
A cobra, mesmo tendo recém comido um boi inteiro, pediu à mulher que
lhe trouxesse mais comida. Ela trouxe, e a cobra comeu até empanzinar-se.
Depois, pôs-se a cantarolar um canto meio hipnótico que obrigou o índio

escondido a acompanhá-lo.
– Eu sabia que tinha mais alguém aqui dentro! – exclamou a cobra, furiosa.
O índio, aterrado, surgiu com as duas mãos espalmadas.
– Calma, amigo, sou da aldeia e vim apenas para ver como estão.
Mas a cobra não estava para falas mansas e abocanhou o índio inteiro.
O tempo passou, e os índios mandaram um grupo de guerreiros para
exterminar a cobra. Pé ante pé, eles adentraram a casa da índia e, quando a
cobra dormia a sono solto, caíram de rijo em cima dela com lanças e tacapes,
matando-a.
A índia chorou e lamentou, mas o crime já estava feito. Ela foi levada de
volta para a aldeia, aos prantos, mas o que eles não sabiam é que ela estava
grávida de uma ninhada de cobrinhas, que deu à luz assim que chegou à aldeia.
Quando os índios descobriram, muniram-se de cacetes para abater os filhotes,
mas a índia espantou-os todos para a mata.
– Vão, escondam-se na mata!
Desde então, as cobras andam à solta por aí.
  

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