O SURGIMENTO DA PLANTAÇÃO
Esta lenda também é protagonizada por uma criatura celeste que salvou
uma aldeia de morrer de fome.
Nos tempos antigos, segundo os kaiapós, a vida na terra era muito difícil. As
pessoas não tinham o que comer, senão lagartas, raízes, orelhas-de-pau e coisas
deste tipo. Frutos não existiam, nem ninguém sabia plantar. Quanto à caça, era
impraticável, pois os homens não sabiam empunhar nem uma vara de marmelo.
Certo dia, um índio que andava pela mata de barriga vazia foi surpreendido
por uma chuvarada daquelas. O pé d’água durou pouco, mas bastou para
encharcar tudo. O índio, agachando-se, começou a beber das poças para encher,
pelo menos com água, a barriga, quando escutou alguém chamá-lo do alto.
– Psiu! – dizia uma voz maviosa.
Ele olhou para o alto e viu uma índia lindíssima sentada no galho de uma
árvore. Ela estava nua e parecia esconder algo entre as pernas.
A fome do índio era tanta que ele não pensou noutra coisa senão em
comida.
– Por favor, moça, me dê essa fruta que está escondendo aí!
A índia não demorou a entender o equívoco e começou a rir.
O índio estranhou as formas roliças da jovem, pois na aldeia todas as índias
estavam muito magras.
– Quem é você? – disse ele. – Nunca a vi por aqui.
– Desci do céu, junto com a chuva – disse ela, torcendo os cabelos
reluzentes.
– Por quê?
– Me cansei de viver lá. Meus pais não tem paciência comigo nem eu com
eles.
Tomado por uma paixão instantânea, o índio decidiu casar-se com ela.
– Venha comigo para a aldeia – disse ele.
Então, eles esperaram a noite cair e ele levou-a, às escondidas, para a sua
casa.
– Só apareça quando eu mandar – disse ele, escondendo-a dentro de uma
enorme cabaça.
O índio morava com a mãe, uma velha com cara de espectro. Seu
temperamento, contudo, era amável, e quando ela descobriu, certo dia, a jovem
dentro da cabaça, não pensou um instante em fazer mal a ela, e disse:
– Que jovem linda! De onde veio?
Então, a índia contou quem era e foi logo chamada por toda a aldeia de
Filha do Céu. Ela casou-se com o índio, e ambos ficaram vivendo na casa da
velha índia.
Entretanto, apesar do bom tratamento, logo a jovem começou a sentir os
efeitos da penúria, emagrecendo a olhos vistos.
– Isto não pode continuar assim. Vou voltar para o céu e trazer de lá
algumas sementes.
– Mas como poderá fazer isso?
– Ora, eu dou um jeito! – disse ela, segura de si. – Venha comigo!
O casal atravessou a mata até encontrar uma árvore de galhos resistentes e
flexíveis.
– Ótimo, esta é perfeita! – disse ela, começando a escalar o tronco.
O índio ficou observando-a sonhadoramente, a relembrar o seu primeiro
encontro.
– O que está esperando? Suba comigo! – ralhou ela, do alto.
Os dois encarapitaram-se no galho mais alto, que começou a vergar até
atingir o chão.
– Agora, desça – disse ela, com a mesma segurança de sempre.
– Mas você pode se machucar! – gemeu ele.
– Ah, que bobagem! – disse ela, botando-o pra fora do galho com um
empurrão.
Assim que o índio caiu, o galho catapultou a jovem para o alto, numa
velocidade espantosa.
– Me aguarde, eu voltarei! – disse ela, misturada já com as nuvens.
O tempo passou até que, no primeiro temporal, o índio começou a correr
pra todo lado, esperando a descida da amada. Dali a instantes, enxergou-a
pendurada num galho.
– Me ajude, isto está pesado! – disse a índia.
Ela atirou do alto um saco enorme cheio de sementes que quase esmagou o
marido e depois desceu, num pulo, com a suavidade que lhe era peculiar.
– O que está fazendo?
O marido estava comendo as sementes com as duas mãos.
– Isto não é para comer, mas para plantar!
Então ela ensinou o kaiapó a fazer uma roça, e depois a semeá-la.
– Você não vai acreditar no que vai surgir daqui! – disse ela, vaidosa.
Não demorou muito e começou a surgir uma plantação enorme de milho.
– Puxa, que lindo! – exclamou ele. – Mas e destas outras, por que nada
nasceu?
– Você que pensa! – disse ela, arrancando de debaixo do solo tubérculos
enormes de batata, inhame e mandioca. – Mais tarde nascerão as árvores
frutíferas, e muitas delícias mais!
Os dois se abraçaram, felizes, e desde então a fome deixou de afligir os
kaiapós.
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