domingo, 6 de novembro de 2016

CONSCRITO 803

CABRA-CABRIOLA


Com este nome que soa vagamente a uma inocente cantiga de roda,
podemos, na verdade, identificar uma das criaturas mais violentas e repulsivas do
nosso folclore.
Importada, ao que parece, a Cabra-Cabriola aclimatou-se melhor no
Nordeste, onde começou a empreender o seu reinado de terror.
Como o próprio nome diz, a Cabra-Cabriola é um ser monstruoso que
adora cabriolar, ou seja, dar saltos e requebros. Por outro lado, ao menos no
Brasil, ela não possui qualquer feição ingenuamente caprina, uma vez que sua
cara se destaca, acima de tudo, pela presença de uma série afiadíssima de dentes
e de um par de olhos chamejantes. Sua boca e suas narinas também expelem
fogo e fuligem.
Seu alimento predileto são as crianças, e não só as desobedientes. À noite
ela gosta de espreitar a casa onde as mães, por alguma razão, estão ausentes e,
por meio de estratagemas solertes como o de imitar a voz das mesmas, induz as
crianças a abrirem a porta. Uma vez conseguido o intento, a criatura invade a
casa aos berros, só restando às suas pequenas vítimas pularem pelas janelas ou
invocarem o auxílio do seu anjo da guarda.
* * *
Conta-se que, certa feita, a Cabra-Cabriola estava à espreita para mais um
ataque nas redondezas de uma casa onde uma mãe devia sair à noite para
trabalhar.
A mulher saiu, afinal, e a criatura nefasta esperou algumas horas antes de
ir à porta pedir às crianças que abrissem.
– Abram, filhinhos! Sou eu, a sua querida mamãe! – disse a Cabra.
Como, no entanto, não tivesse tido o cuidado de disfarçar a voz, viu-se logo
expulsa pelos gritos das crianças dentro da casa.
– Fora, Cabra maldita! Bem sabemos que não é a nossa querida mamãe!
No dia seguinte, a criatura infernal procurou um ferreiro e mandou
martelar a sua língua até ela ganhar uma compleição mais maleável, capaz de
reproduzir a maviosa voz da mãe das crianças.
Na mesma noite, ela retornou às cercanias da casa e, depois de a mulher
sair e um bom pedaço da noite ter transcorrido, foi bater outra vez à porta.
– Abram, filhinhos! Sou eu, a sua querida mamãe!
Desta vez, a sua voz soou tão perfeitamente materna e feminil que as
pobres crianças, sem atentarem para a figura de quem lhes falava,
escancararam a porta, aliviadas.
Mas quem ficou aliviada mesmo foi a Cabra-Cabriola, ao ver-se senhora
da situação. E o final terrível, digno dos irmãos Grimm, é mais uma prova segura
da importação do mito.
  

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