sábado, 5 de novembro de 2016

CONSCRITO 743

A ONÇA E O RAIO


Os índios taulipangs, habitantes do extremo norte do Brasil, contam a lenda
a seguir.
Certa feita, a onça passeava pela mata quando encontrou o raio a fabricar
um porrete. A onça não conhecia bem o raio, pois nunca tinha visto um em terra,
muito menos a fabricar porretes, e por isso imaginou que se tratava de algum
animal.
Então ela começou a pisar macio e, depois de dar a volta, sem ser vista,
pulou sobre o raio.
O raio, porém, escapou com um pulo veloz, sem sofrer nada.
A onça, desapontada, indagou:
– Quem é você?
– Sou o raio, não vê?
– Você é muito forte, não é?
– Está enganada, não sou nada forte.
Ao escutar isso, a onça inflou o peito e engrossou a voz.
– Pois eu sou o animal mais forte destas matas! Quando estou furiosa, não
sobra nada inteiro!
Então, para demonstrar a sua força, a onça trepou numa árvore enorme e
começou a devastar tudo, quebrando um por um dos galhos. Depois, desceu para
o solo e começou a escavá-lo, atirando para cima tufos de relva e de terra até
estar tudo revirado, como se um tatu doido tivesse passado por ali.
– Muito bem, que achou disso? – disse a onça, arfante.
O raio escutou, mas não disse nada.
– Vamos, quero vê-lo fazer algo parecido! – desafiou a onça.
– Como poderia, se não tenho a sua força? – disse o raio, afinal.
Inflada ainda mais pela confissão do raio, a onça entregou-se a nova
demonstração de força, revolvendo tudo outra vez até ter aberto uma clareira na
parte da mata onde estavam.
Enquanto a onça sorria, esbaforida, o raio tomou o seu porrete e começou
repentinamente a vibrá-lo no chão e por tudo ao redor, fazendo a onça quicar e
rebolar pelo solo como um bicho de pano. Uma verdadeira tempestade, seguida
de raios e ventania, tornou tudo ainda mais sério, a ponto de a onça achar que o
mundo se acabaria. Quando a tempestade finalmente cessou, a onça mal
encontrou forças para pôr-se novamente em pé e ir correndo esconder-se atrás
de uma rocha.
Mas o raio gostara da brincadeira e arremessou uma fagulha que fez a
volta na rocha, acertando com precisão o rabo da onça. A onça deu o pulo mais
alto de toda a sua vida, chamuscou a cabeça no cocar do Sol e desceu à Terra
outra vez, fugindo a toda a velocidade.
O raio continuou a vibrar o seu porrete e a arremessar coriscos e fagulhas

com tanta intensidade para cima da pobre bichana que ela viu-se obrigada a
procurar refúgio na toca de um tatu gigante.
Tudo em vão: o raio varejou a cova do tatu e acertou em cheio, outra vez,
os fundilhos da onça. Não havia jeito: onde quer que a onça buscasse refúgio, ali
a alcançava o braço longo do raio.
Ao mesmo tempo, começou a soprar um vento frio e a cair uma chuva
gelada, e como a onça já estava quase sem pelo algum, devido às queimaduras,
pouco faltou para ela congelar-se.
– Depois do fogo, o frio! – gania ela, batendo os dentes, toda enrodilhada no
solo.
Somente ao ver a rival arriada e completamente vencida foi que o raio se
deu por satisfeito.
– Muito bem, agora diga quem é o mais forte por aqui!
A onça tapou a cabeça para não ter de responder, enquanto o raio partia, a
gargalhar.
E aqui está, segundo os taulipangs, a razão de as onças temerem tanto os
temporais.
  

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