sábado, 5 de novembro de 2016

CONSCRITO 763

A ESCADA DE FLECHAS


Os índios kaingangs, do extremo sul do Brasil, contam uma lenda
interessante acerca de uma escalada aos céus praticada por eles em dias muito
antigos.
Naquele tempo, as onças comiam muito mais gente do que hoje, e os
índios não aguentavam mais viver nessa apreensão. Não se passava um dia sem
que algum deles fosse comido vivo por elas ou simplesmente raptado sem deixar
vestígios. Velhos e crianças eram as presas mais comuns, mas a verdade é que
índio nenhum podia se vangloriar de estar a salvo desses predadores vorazes. Os
índios colocavam vigias nas tabas e fortificavam-nas com paliçadas, mas as
onças acabavam comendo os vigias.
– Chega! – disse, então, certo dia, o cacique.
Depois de convocar o feiticeiro-mor da aldeia, exigiu que ele apresentasse
uma solução.
– Solução boa só há uma: fugir – disse o pajé, sem mais rodeios.
O cacique enterrou os dedos no cocar.
– Fugir? Fugir para onde?
De fato, não havia lugar na terra onde as onças não pudessem alcançar os
homens.
– Só se nos metermos debaixo d’água – disse o chefe da aldeia.
– Ou subirmos aos céus – completou o pajé, muito seriamente.
O cacique pensou que o pajé estivesse brincando, mas era verdade. Após
tomar uma aljava cheia de flechas, o pajé foi para um descampado e
arremessou a primeira flecha em direção ao céu. Todos os demais encolheramse, com receio de que Tupã devolvesse a flecha com um raio fulminante.
Felizmente, nada disso aconteceu. Mas o mais espantoso é que a flecha
ficou encravada no céu.
– Acerte nela – disse o pajé, entregando o arco a outro índio, bom de
pontaria.
O índio mirou e acertou bem na extremidade da seta encravada,
encompridando-a. E assim foram todos arremessando uma flecha após outra, até
terem formado uma escada que descia do céu até a terra.
– Amanhã bem cedo, subiremos todos por esta escada e iremos viver no
céu, bem longe das onças – decretou o cacique.
Os índios voltaram à taba, a fim de se prepararem para a escalada do dia
seguinte.
Quando o sol raiou, já toda a aldeia estava aos pés da escada de flechas,
que havia se transformado numa escada de cipós, cheia de degraus para facilitar
a subida.
– Vejam, Tupã nos ajuda! – disse o pajé, e todos se animaram.
Ao colocar, porém, o pé no primeiro degrau da escada, o cacique escutou

o rugido inequívoco de uma onça lá no topo do céu.
– Será possível? – exclamou. – Há onças também no céu?
Não, nunca houvera, pelo menos até a noite anterior. Acontece que,
enquanto os índios dormiam, um casal de onças aproximara-se sorrateiramente
da escada e trepara nela.
A questão agora não era mais buscar refúgio no céu, um lugar também
povoado de onças, mas saber quem iria até o alto cortar a escada para que as
onças não pudessem mais descer para a terra.
Demorou um pouco até que um casal de valentes se ofereceu. Eles
subiram e, ao chegarem ao topo, cortaram rapidamente a escada, que foi
embolar-se aos pés dos índios.
O casal, porém, jamais pôde descer, e acredita-se que até hoje viva no
céu, junto com o casal de onç
as.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário