sábado, 5 de novembro de 2016

CONSCRITO 777

PARTE II


CONTOS TRADICIONAIS  

A RAPOSA CARENTE

Uma raposa morta que, em vida, tivera uma paixão por ser obsequiada
resolveu forçar o favor de um homem bom, indo postar-se no meio da estrada.
– Oh, uma raposa morta! – disse o homem bom, penalizado, ao ver a pobre
bichana de olhos vidrados e língua de fora. – Pobrezinha, vou enterrá-la!
A raposa estava morta, mas ainda assim sentiu uma onda de prazer ao verse alvo daquele favor.
O homem bom enterrou a raposa e seguiu adiante. Mas a raposa carente
gostou tanto do negócio – houve até uma bênção sobre o seu túmulo, imagina! –
que se desenterrou às pressas e foi correndo postar-se outra vez no caminho do
homem bom.
– Santo Deus, outra raposa morta! – disse ele ao ver a bichana
estrebuchada sob uma nuvem de moscas.
Após expulsar o mosquedo, o homem bom pegou o cadáver da raposa,
cobriu-o de folhas e depois partiu. Assim que ele partiu, o focinho da raposa
morta surgiu da folharada. Ela parecia um pouquinho frustrada, desta vez, pois
aquela sepultura de folhas não fora como o glorioso sepultamento sob a terra.
Mas, ainda assim, fora um alto favor, consolou-se a raposa carente, contentandose com menos.
– De favores não hei de me cansar jamais! – disse ela, enquanto o homem
bom se afastava.
Após livrar-se das folhas, ela correu por um atalho dentro da mata e foi
esparramar-se novamente, bem mais adiante, no caminho do homem bom.
– Será possível? – disse ele, já contrariado. – Alguém anda exterminando
raposas por aqui!
Desta vez, havia uma nota de irritação na voz do homem bom quando ele
arredou a defunta com o pé até a sombra descoberta de uma árvore antes de
partir.
Assim que o homem bom desapareceu, a raposa carente abriu um olho e
disse:
– As coisas já foram bem melhores, é preciso admitir. Mas, enfim, foi
sempre um favor!
Oh, como ela ambicionava ser amada! Cega por esse desejo, a raposa
carente foi correndo encontrar outro atalho para saborear nem que fosse a última
migalha do afeto alheio.
Desta vez, porém, ao avistar a raposa morta, o homem bom já estava farto
e deu um chute no corpo da raposa.
– Dane-se você! – exclamou ele, irritado.
A raposa carente rodopiou e foi cair dentro da mata, enquanto o homem
bom, a passos firmes e raivosos, foi ser mau em outra parte.
Esfolada, a raposa descobriu, então, que forçar o afeto é forçar o enfado.

  

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