sábado, 5 de novembro de 2016

CONSCRITO 778

O PEQUENO HOMEM


Havia uma vez um príncipe que gostava de caçar. Certa feita, ele entrou na
floresta com seus irmãos e acabou perdendo-se deles.
– E esta, agora! – disse ele, olhando para todos os lados.
Sem os seus cães, o príncipe era um zero à esquerda na floresta.
Desorientado, errou em todas as direções, só para descobrir que, em todos os
quadrantes, continuava perdido.
Então, após tomar um rumo às cegas, foi dar numa terra de gigantes. Isso
ele soube quando viu uma casa que mais parecia uma montanha de madeira.
Após bater na porta, ele viu-se diante de um homem gigantesco, que lhe
perguntou quem ele era.
– Estou perdido, meu amigo, e preciso de abrigo.
O gigante, que não era muito amigo de intrusos, fingiu ser hospitaleiro ao
reconhecer na figura do homenzinho perdido o príncipe do reino vizinho.
– Pode entrar – disse, de má vontade.
Junto com o gigante moravam sua esposa e sua filha. A filha, que também
era gigante, chamava-se Guimara.
O príncipe ficou abrigado na casa colossal, à espera de que viessem buscá-
lo. Enquanto os irmãos não apareciam, acabou apaixonando-se pela princesa
gigante. Ela, por sua vez, também achou qualidades bastantes naquele ser
minúsculo para por ele se apaixonar.
O pai de Guimara, no entanto, não gostou disso e resolveu complicar a vida
do príncipe.
– Chegou-me aos ouvidos que você pretende, numa só noite, erguer um
novo palácio para mim – disse o gigante. – Se for verdade, quero vê-lo fazer. Se
não for, quero vê-lo morrer.
Apavorado, o príncipe teve de confirmar tudo.
– Certamente que o farei – balbuciou ele.
– Isso, amanhã veremos – respondeu o gigante, desaparecendo.
O homenzinho foi chorar as mágoas para a sua amada, que tratou de
acalmá-lo.
– Deixa comigo, belo homenzinho. Sou uma maga, e posso fazer tudo isso
num estalar de dedos.
E de fato, durante a noite, ela construiu um majestoso palácio.
Na manhã seguinte, ao ver o palácio, o gigante ficou com cara de palhaço.
– Aqui tem truque! – disse ele, mas só para si.
Então, o gigante procurou de novo o homenzinho e o desafiou a limpar a
Ilha das Feras Bravias, tornando-a um jardim ameno e aprazível.
– Se for verdade, quero vê-lo fazer. Se não for, quero vê-lo morrer.
O homenzinho correu, então, novamente, à amada, que tratou de limpar a
Ilha das Feras Bravias, transformando-a num verdadeiro Jardim Botânico.
O gigante torceu a boca ao ver o resultado.
– O que está feito, está feito, mas o que há de ser feito, também há de ser
feito.
O que ele queria dizer com sua charada é que pretendia matar naquela

mesma noite tanto o homenzinho insolente quanto a sua própria filha
desobediente.
Guimara e o homenzinho, porém, fugiram do quarto antes da chegada do
pai, deixando sob os lençóis duas bananeiras, uma gigante e a outra pequena.
Os dois fugitivos ganharam a noite montados num cavalo veloz, levando
consigo uma espingarda. Ao descobrir o logro, o gigante montou noutro cavalo
veloz e partiu no seu encalço.
Ora, acontece que o cavalo do gigante era mais veloz, e não demorou
muito para que os fugitivos se convencessem de que logo seriam alcançados.
– Vamos passar-lhe outro logro – disse a mulher gigante.
Quando o gigante chegou à beira de um rio, foi isto que encontrou:
Guimara transformada num riacho; o homenzinho, num preto velho; o cavalo,
numa árvore; a sela do cavalo, numa réstia de cebolas; e, finalmente, a
espingarda, num beija-flor.
O preto velho banhava-se no rio.
– Diga lá, não viu passar por aqui um casal de fugitivos a cavalo?
O preto velho, jogando água sobre os cabelos com a cova das mãos, disse,
olhando para as cebolas:
– O que eu sei é que plantei estas cebolas, mas não sei se me sairão boas!
“Que maluco!”, pensou o gigante, desviando o olhar.
Então, ao ver o beija-flor, correu até ele. Mas a avezinha estava tão brava
que quase furou-lhe os olhos, o que o obrigou a voltar correndo para casa.
– Danação, perdi a pista dos dois! – disse ele à esposa.
– Você é um bobo, mesmo! – disse ela. – Então não vê que é tudo truque?
Ponto por ponto, a mãe gigante deslindou os truques da filha, fazendo com
que o gigante, enfurecido, montasse no cavalo e partisse novamente no encalço
dos fugitivos.
Ao vê-lo, a filha se converteu numa catedral e transformou o amado num
padre, a sela num altar, a espingarda num livro de reza e o cavalo num sino.
Ao ver a catedral resplandecente, o gigante se atirou para dentro.
– Homem de Deus, o senhor viu por aí minha filha e um homenzinho?
O padre, com o nariz enterrado no missal, respondeu em feitio de poesia:
Nada vi, não,
Que estou em oração,
E quem me azucrina
Entra em danação.
Assustado, o gigante retornou, persignando-se todo, e foi contar tudo à
esposa.
– Seu bobo! – disse ela. – É tudo enganação da marota!
E lá se foi de novo o gigante, sedento da vida da filha e do homenzinho.
Desta vez, no entanto, Guimara resolveu mudar de tática. Após tomar um
punhado de cinzas, atirou-as para o alto e uma neblina escandinava desceu, como
por mágica, sobre a floresta.
O gigante perdeu-se de vez, enquanto o casal chegava, finalmente, ao

castelo do príncipe. Antes de entrar, porém, a gigante lhe fez esta estranha
advertência:
– Quando entrar, não beije a mão de sua tia, ou me esquecerá para
sempre.
É claro que a primeira coisa que o príncipe fez foi ir correndo beijar a mão
da tia, o que provocou o imediato esquecimento da sua amada. Desde então,
Guimara converteu-se numa mulherzinha pequena e triste. Como doida, ela
passou a perambular noite e dia pelas cercanias do palácio, na tentativa inútil de
convencer o príncipe de que um dia fora a sua amada.
  

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