AVENTURAS DE PEDRO MALAZARTE III
Mais duas trapaças famosas do Malazarte.
Na primeira, vinha ele por uma picada na mata quando viu um cocô
daqueles depositado no chão. Homem atento aos sinais do universo, decidiu que
ali havia um para ele, bem evidente.
Após tirar o chapéu, colocou-o em cima do negócio, como quem prende
algo muito valioso, e assim esteve até ver avançar pela picada o primeiro bobo
do dia.
O sujeito, bem vestido e com um ar simplório, aproximou-se, curioso.
– O que tem aí debaixo do chapéu?
Malazarte enterrou com mais força o chapéu, como quem tenta impedir a
fuga de algo.
– Acabei de capturar o pássaro mais raro e valioso de todo o Brasil!
O sujeito sentiu água na boca.
– Não diga! Deixa eu ver!
– Não tem ver, nem meio ver! Quer que o bicho fuja?
– Vale muito, é?
– Pois não disse que é o pássaro mais raro do Brasil?
– Então eu o compro, agora, de você! Quanto quer?
Malazarte mirou na lua e pediu uma pequena fortuna.
– Fechado, passe a ave pra cá!
Malazarte recebeu o dinheiro e depois disse:
– Espere aqui. Vou comprar uma gaiola para que você possa levar o
pássaro com segurança.
O homem ficou encantado.
– Oh, é muita gentileza! Eu fico aguardando!
Malazarte apertou bem os cadarços das botinas e deu as de vila-diogo,
como se dizia pra lá de antigamente, que é o mesmo que dizer que se mandou
para nunca mais aparecer.
O otário ficou um tempão de cócoras sob o sol, pressionando o chapéu
contra o chão, mas, ao ver que o outro não retornava de jeito nenhum, decidiu
levar a ave para casa na própria mão.
Erguendo muito de leve a aba do chapéu, ele introduziu a mão até tocar em
algo.
– Ah, maganão, tenho-te preso! – disse ele, cerrando os cinco dedos ao
redor da coisa.
Então sentiu, aterrorizado, que a coisa se esmigalhara toda, feito sabão.
– Mãe das corujas, esmaguei o bichinho!
E só ao retirar o chapéu foi que ele viu o cocô fedido que agarrara.
* * *
A segunda trapaça do Malazarte foi a seguinte.
Estava ele viajando pelo interior quando decidiu parar no caminho para
saborear uma sopa de guisadinho com batata, coisa muito da sua predileção.
Depois de pegar sua velha panelinha, acendeu um fogo e mandou brasa na
fervura. Não demorou muito e a sopa começou a borbulhar e a largar uma
fumacinha branca de dar gosto.
Neste instante, aproximou-se um bando de matutos numa carroça.
Ligeirinho, Malazarte desmanchou a fogueira até não restar qualquer vestígio de
fogo. A panela, ainda fervente, ficou sobre o pó raso do chão.
Quando os matutos passaram e viram aquela panela fervendo sem fogo
algum por baixo, deixaram cair os queixos de estupor.
– Ó, cumpadre, que panela herege é essa que cose sem fogo?
Malazarte continuou mexendo com a colher, espalhando a fumaça olorosa.
– É uma panela moderna, importada pelo mar – disse, com desdém.
– E como diacho cose sem fogo?
– É o metal. Largou coisa dentro, ele ferve por si.
Os matutos ficaram tão abismados que resolveram fazer uma oferta pela
panela.
– E matuto lá tem fundos para pagar um brinco desses? – exclamou o
Malazarte.
Os matutos retiraram dos bolsos os seus lenços de quadrados e começaram
a palmear os níqueis, enquanto Malazarte bufava de desprezo.
– É escusado contar, que não paga nem a colher!
Então um deles, retirando dos ocultos da carroça uma canastra velha e
carunchada, extraiu dela um embrulho cheio de notas verdes e graúdas.
– Vai entregar os guardados todos? – disse um dos matutos, coçando o
cocuruto.
– Ó se vou! – disse o da canastra. – Uma panela dessas vale ouro,
cumpadre!
O matuto pegou os maços de notas e mais os níqueis dos outros e despejou
tudo aos pés de Malazarte.
– Aí tem dinheiro que chegue?
Malazarte deu uma olhada de esguelha e depois suspirou, como um mártir
do mundo.
– Vá, é de vocês, mas só depois de eu terminar a minha sopa.
Quando não tinha mais um restinho de comida no fundo da panela, foi que
ele entregou aos matutos a sua preciosidade.
– Adeus, e façam muito bom proveito!
Malazarte caiu na estrada e sumiu. Quanto aos matutos, estariam comendo
comida crua até hoje se não tivessem se resignado, depois de infinitas tentativas,
a meter umas brasinhas debaixo da panela.
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