domingo, 6 de novembro de 2016

CONSCRITO 789

OS TRÊS GIGANTES NEGROS

Além de ter deixado influência marcante nos cultos religiosos brasileiros,
os africanos nos legaram também algumas lendas deliciosamente fantásticas, tal
como esta dos três gigantes negros.
Havia, certa feita, por estes sertões, um velho com três filhas. Um dia, as
jovens se encheram de viver ali e resolveram dar um lustro no mundo. Após
percorrerem meio sertão, foram dar num lugar ermo e desconhecido; exaustas,
entraram num casebre abandonado e ali ficaram para curar as bolhas dos pés.
Neste meio-tempo, chegaram também ao lugar três gigantes ferozes, os
donos da tapera. Um deles tinha três olhos, o outro, dois, e o terceiro tinha apenas
um olho. Ao perceberem que havia gente no casebre, quiseram logo saber quem
eram as intrusas.
– Quem está aí? – disse o Gigante Três.
Ao ver o rosto do gigante, as jovens modularam três gritos perfeitos de
histerismo.
Os gigantes, que estavam absolutamente calmos, disseram para elas
também se acalmarem.
– Não lhes faremos mal – mentiu descaradamente o Gigante Dois.
Para comprovar a bondade deles, o Gigante Um lhes ofereceu uma bebida
que matava qualquer sede. Neste instante, a mais jovem das moças lembrou-se
do aviso que recebera, a meio caminho, de um pássaro.
– Não beba coisa alguma oferecida por gigantes horrendos!
Um aviso tão desnecessário, pensara ela, que se esquecera até de avisar as
irmãs.
Acontece que as irmãs eram duas tolas e tomaram logo a beberagem.
Resultado: as duas adormeceram. No mesmo instante, a jovem desperta, num
ímpeto audaz, começou a entoar um cântico mágico africano que fez os gigantes
fugirem com as mãos nos ouvidos.
Feliz com o triunfo, ela acordou as irmãs, e todas saíram correndo catinga
afora.
Nem bem haviam começado a correr, porém, e já os três gigantes
surgiram velozes atrás delas, como três montanhas negrejando ao sol.
– Corram! – disse a irmã mais jovem.
O problema é que não havia mais onde se refugiarem senão numa única
árvore que conseguira resistir aos fragores escaldantes da seca.
– Subam! – disse a jovem.
As duas obedeceram, e logo as três estavam encarapitadas no topo. Graças
à sua Mãe Oxum, as jovens descobriram, aliviadíssimas, que os gigantes não
eram tão altos quanto a árvore na qual elas haviam trepado.
Então chegou, em primeiro lugar, o Gigante Três. Apesar de ter tantos
olhos, ele não viu nenhuma das três fugitivas escondidas nas folhagens ralas.
– As desgraçadas fugiram! – disse ele, seguindo adiante.
O chão tremeu enquanto ele partia, e voltou a tremer logo em seguida com
a chegada do segundo gigante. O Gigante Dois mirou bem seus dois olhos sobre a
árvore, mas também não viu coisa alguma.

O chão tremeu, se acalmou e voltou a tremer outra vez com as pisadas do
terceiro gigante. Este, que só tinha um olho para enxergar o óbvio, viu logo as três
moçoilas escondidas na copa da árvore.
– A quem pensam que enganam? – rugiu ele. – Desçam já da árvore!
Elas não obedeceram, claro, nem teriam por quê.
– Desçam, covardes, e lutem como verdadeiras meninas! – gritou,
agarrado ao tronco.
Sacando, então, de um machado, o gigante começou a golpear o tronco
com fúria. As jovens chacoalharam no alto como bambus, mas nenhuma caiu.
– Canta! Canta de novo! – imploraram as irmãs.
Então a irmã cantora puxou da memória mais uma cantiga ancestral
ioruba e cantou no ouvido do gigante.
Desta vez, porém, o grandalhão gostou e começou a acompanhá-la.
A coisa foi longe, e quando a cantoria começava a se tornar realmente
insuportável, aquele mesmo pássaro que dera o alerta da beberagem surgiu dos
céus e foi pousar na copa da árvore.
– Depressa, leve uma delas! – disse a irmã cantora, entre as pausas do seu
canto.
O pássaro tomou no bico uma das irmãs e levou-a embora. Depois, voltou
e levou, da mesma forma, a segunda irmã. Então, ao retornar para levar a irmã
restante, o pássaro se transformou, subitamente, num lindo príncipe negro.
Portando um alfanje, ele cortou fora a cabeça do gigante e tomou nos braços a
jovem cantora.
O príncipe e a jovem casaram-se e foram eternamente felizes. Quanto ao
que foi feito das irmãs e dos outros gigantes, isto ninguém jamais se preocupou
em saber.
  

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