BOITATÁ
Chamado muitas vezes de Mboitatá, esta criatura é outro dos personagens
obrigatórios de qualquer coletânea fantástico-zoológica do Brasil.
Apesar do nome, o Boitatá nada tem a ver com bois, mas com uma cobra
transparente que irradia uma luz ofuscante nas noites tristes das matas brasileiras
(isto não impediu, porém, que ele fosse descrito como um touro de olhos
coruscantes, constituindo este um dos exemplos mais curiosos do poder de
mutação operado pelas palavras). Felizmente, mesmo aqui, há limites: no
Nordeste, embora sendo chamado de Batatão, ninguém ainda se lembrou de lhe
dar uma conformação de batata.
Boitatá significa “Coisa de fogo”, em razão do fogo que dele emana,
constituindo-se o animal, na verdade, numa representação figurada do fogofátuo. Também é identificado – ou confundido – com a Boiúna e a CobraGrande, mitos aquáticos assemelhados.
Apesar dos fogos-fátuos existirem em todo o mundo, o Boitatá original
resistiu relativamente bem ao assédio da influência europeia, permanecendo sem
conformação física ou psicológica humana alguma. Ele é uma cobra – ou, mais
exatamente, um espectro de cobra –, cuja função única é a de comer e
atemorizar.
Somente quando o mito abandona as matas, ganhando as cidades, é que o
Boitatá começa a degenerar em sua pureza, recebendo adendos extravagantes,
importados dos mais diversos fabulários (mas que, mesmo neste caso, não foram
suficientes para desfigurá-lo completamente).
O Boitatá, dizem, alimenta-se somente dos olhos das suas vítimas, a ponto
de o seu corpo translúcido ficar repleto de olhos chamejantes. Para escapar à sua
fúria, o corajoso deve munir-se de uma boa dose de sangue-frio: permanecer
parado e de olhos fechados é o que basta para fazer a serpente se desinteressar
dele. Se não funcionar, sugere-se a tática mais rude de arremessar-lhe um objeto
de ferro.
Indo adiante a deturpação, chegou-se, enfim, às mutações com propósitos
morais e ecológicos: o Boitatá transforma-se, dizem, num pedaço ardente de
madeira a fim de punir os agressores das matas.
Apesar de tudo isso, podemos nos dar por felizes pelo fato de ninguém, no
fim das contas, ter conseguido transformar o Boitatá em mais um sátiro das
águas, como sucedeu ao Boto, ou numa sereia suspirante, como sucedeu à
Cobra-Grande, rebatizada de “Iara”.
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