sábado, 5 de novembro de 2016

CONSCRITO 753

KOIERÉ, O MACHADO CANTANTE


Os índios krahós, do rio Tocantins, possuíam outrora um machado mágico
chamado koieré. Sua lâmina era feita de pedra, em formato de âncora, e ele era
usado tanto na guerra quanto nas cerimônias religiosas da tribo.
Os krahós viviam em guerra com seus vizinhos. O seu maior desafeto eram
os krolkametrás, uma tribo rival.
Certa feita, as duas tribos estavam se enfrentando, quando uma flechada
certeira abateu o portador do machado cantante. O valente guerreiro krahó caiu
para um lado, e o machado, para o outro.
Como um raio, o matador correu e apoderou-se da arma.
– Agora o koieré pertence aos krolkametrás! – urrou ele, brandindo no ar o
machado.
Finda a matança, todos voltaram satisfeitos para as suas casas, cada lado
levando os inimigos mortos para serem assados nas grelhas.
Mas quem ia feliz mesmo era o novo portador do koieré, que era casado
com uma bela índia. Antes mesmo de chegar em casa, decidiu que, agora que se
tornara um personagem importante da aldeia, deveria arrumar coisa ainda
melhor do que a sua bela índia.
Não demorou muito, apareceu uma candidata, e o índio se mudou para a
oca dela. Na pressa, porém, acabou esquecendo o machado dependurado em
cima da sua rede.
Durante a noite, a índia abandonada escutou por entre os intervalos dos seus
soluços o machado falar-lhe:
– Mamãe, vamos passear!
Índias são muito maternais. Por algum motivo, o machado passara a
chamá-la de mamãe, e bastara isso para ela ficar enternecida com o objeto.
Tomando-o nos braços, ela saiu porta afora para passear.
Durante a noite inteira a índia enjeitada embrenhou-se pelas matas,
enquanto o machado lhe ensinava todas as canções de amor e de guerra dos
krahós.
Logo, toda a aldeia ficou sabendo do caso, e a notícia se espalhou,
chegando à aldeia dos krahós. Então, o irmão do primitivo dono do machado
decidiu recuperá-lo.
A esta altura, o novo dono já havia retomado o objeto e foi com raiva que
recebeu a visita do emissário.
– De forma alguma o restituirei! – bradou ele.
Mas o cacique da tribo disse que havia regras que o obrigavam a restituir o
objeto aos inimigos.
– Anhangá e maldição! – rosnou o novo dono. – Pois saibam que só o
restituirei àquele que me vencer na corrida de toras!
Corrida de toras era uma competição que os índios disputavam tendo
atravessada às costas uma tora de madeira de cerca de um metro de
comprimento.
– Quem me vencer poderá não só levar de volta o machado como me
matar e comer a carne do meu corpo! – disse o desafiante, seguríssimo.

O emissário retornou aos krahós e repetiu ao pretendente o desafio.
– Corrida de toras nenhuma! – disse este. – Vamos reaver o koieré à força!
Então os krahós armaram-se de flechas e porretes e rumaram para a
aldeia dos krolkametrás, prontos para mais uma bela dança das flechas. Quando
chegaram à divisa da aldeia inimiga, foram lançados ao ar os brados de guerra
das duas tribos valorosas, e as flechas assoviaram de novo, para valer. Mas quem
mais trabalhou foi, como sempre, o machado mágico, que não parou de cantar
um segundo enquanto levava adiante a sua obra guerreira de ceifar vidas, desta
vez as dos krahós, seus antigos donos.
A certa altura, porém, o novo dono do machado viu-se cercado por
algumas dezenas de adversários e não teve alternativa senão correr com
machado e tudo. Não sabemos que espécie de canção o machado entoou na
fuga, mas o fato é que, ao enfiar o pé num buraco de tatu, o krolkametrá foi ao
chão e perdeu, além do machado, a própria vida, estraçalhado pelas lanças
adversárias.
E foi assim que o koieré voltou à tribo dos índios krahó
s.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário