sábado, 5 de novembro de 2016

CONSCRITO 755

O SAPO E A ONÇA


Esta lenda vem da tribo Kayapó e é um exemplar primitivo da espécie “a
união faz a força”.
Tudo começou quando, certo dia, a onça encontrou o sapo num charco,
também chamado no Brasil de igapó. A onça estava furiosa desde que lhe
haviam roubado o fogo e não queria conversa com ninguém, muito menos com
um reles sapo.
– Bom dia, dona onça – disse o sapo.
A onça estava com muita raiva, disposta a abocanhar qualquer um que se
atravessasse no seu caminho, e só não engoliu o sapo por achá-lo muito
asqueroso.
– Como ousa dirigir a palavra a mim, ser repugnante e desprezível? –
rosnou ela.
– Meu amigo, tudo é questão de opinião – respondeu o sapo,
fleumaticamente. – As sapinhas não me acham nada repugnante, e não conheço
ninguém que me despreze.
– Pois eu o desprezo!
– Por favor, não banque a tola. Se me desprezasse, não estaria aí me
ofendendo.
Diante disso, a onça ficou ainda mais furiosa.
– Desprezível, sim! Quem olha para você com respeito? Ninguém!
– Todos me respeitam. Meu grito, por exemplo, é o que infunde mais terror
em toda a floresta.
Pela primeira vez desde que lhe haviam surrupiado o fogo, a onça
arreganhou os dentes sem ser de raiva e despejou uma gargalhada.
– Ria e o mundo rirá contigo – disse o sapo, superiormente.
– Quer dizer que o seu rugido é o mais apavorante da floresta? – disse a
onça, após recuperar o fôlego. – Pois esta eu pago para ver!
Então a onça trepou numa pedra e lançou aos ares o seu urro mais tétrico e
desafiador.
Instantaneamente, uma algazarra de coisas fugindo por terra, céu e água
agitou a floresta. Foi tamanha a balbúrdia que, durante cerca de cinco minutos, só
se escutou o eco horrendo da fera e das criaturas se atropelando na fuga.
Somente quando o último eco do seu grito se desfez no ar a onça desceu
lentamente do seu pedestal de glória. Sua cabeça estava erguida, e um brilho
insuportável de soberba fazia com que suas pupilas amarelas cuspissem faíscas
de regozijo.
Então foi a vez de o sapo demonstrar o poder da sua voz. Depois que a onça
abandonara o seu posto, o sapo galgou num pulo a pedra, encarapitando-se no
topo.
– Muito bem, agora o urro do sapo! – anunciou ele, como um mestre
balofo de cerimônias.
O ruído do riso da onça obrigou o sapo a aguardar alguns instantes.
Somente quando tudo fez silêncio outra vez foi que o sapo encheu bem o papo até
torná-lo translúcido e arremessou, finalmente, o seu coaxar rouco de sapo.

Então, aconteceu uma espécie de reverberação total, como se alguém
houvesse espalhado pela selva inteira milhares de caixas de som amplificadas ao
máximo. As árvores tremeram desde as raízes até as folhas, enquanto o solo
chacoalhava.
Incapaz de suportar a zoeira terrificante, a onça levou as duas patas às
orelhas, tentando suportar dignamente aquele coaxar colossal. Mas, quando viu
que não podia mais suportar, atirou tudo para cima e tratou de dar no pé.
– Ei, espere! – gritou o sapo do alto da pedra. – Quer apostar como sou
também mais veloz?
Mas a onça já não escutava mais nada, desaparecida que estava nas
brenhas da mata.
Só então o sapo lançou um segundo coaxar, que foi a ordem expressa para
cessarem todos os outros, já que, na verdade, não só ele havia gritado, mas todos
os sapos e assemelhados da floresta, tais como as jias, as rãs, as pererecas, os
cururus e o restante da valorosa dinastia dos seres coaxantes.
Diz a lenda que, durante a fuga, a onça acabou perdendo um olho num
graveto – um detalhe mórbido que não tem a menor importância para o desfecho
deste conto, mas que tem para o começo do seguinte, no qual veremos elucidarse um surpreendente enigma da nossa fauna.
  

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