AS PERNAS CURTAS DO TAMANDUÁ
ou
POR Q UE ONÇA NÃO GOSTA DE TAMANDUÁ
Se alguém sempre teve a curiosidade em saber por que o tamanduá tem as
pernas curtas, é chegada a hora de matá-la, pois os índios kayapós, desde
sempre, sabem perfeitamente a razão.
Estes senhores descobriram que, em priscas eras, o tamanduá possuía
pernas tão longas quanto as da garça.
Ninguém na mata, nem mesmo o coelho, podia vencer o tamanduá numa
corrida.
Além das pernas compridas, ele possuía também um gênio perverso, fruto
talvez da sua vaidade. Foi este defeito que o fez praticar o ato perverso que dá
início, de verdade, a esta narrativa.
Diz-se, pois, que, ao fugir dos rugidos assustadores de um sapo – ou, antes,
de um exército de sapos, mas que ela imaginava ser apenas um –, a onça acabou
perdendo um dos seus olhos, ao roçá-lo num galho. Caolha e assustada, ela foi
surgir a alguns quilômetros de onde saíra.
– Ai, ai! Humilhada e sem um olho! – queixava-se ela, quando o tamanduá
a escutou.
– O que houve, dona onça? – disse ele, espichando o seu narigão enxerido.
– Como “o que houve”? Não está vendo? Perdi um dos meus ricos olhos!
– Não se preocupe – disse o tamanduá, assumindo um ar professoral. –
Vou restituí-lo para você.
A onça sabia perfeitamente que o tamanduá não era médico nem tinha
dom sobrenatural algum. Não havia qualquer comentário em toda a selva que
pudesse levá-la a crer nisso.
– O tamanduá não passa de um patusco – diziam todas as vozes.
Acontece que o desespero faz crescer a esperança até nas pedras, e foi
com este sentimento desatinado que a onça se entregou às artes médicas do
tamanduá.
– Por favor, devolva meu olho e lhe serei eternamente grata! – disse a
felina, e fez muitíssimo mal em dizer, pois qualquer um nas matas sabe que
gratidão não é coisa de onça.
Sem perturbar-se, o tamanduá espichou as suas unhas em pinça e ordenou:
– Feche o olho são – falou ele. – Quando acordar, terá outra vez os seus
dois olhos.
A onça fechou os olhos, expectante, e sentiu uma dor aguda na órbita
cheia.
Quando abriu-a, novamente, não tinha mais olho algum.
Nesse ponto, entra em cena o azulão, aquela mesma ave que ficara com o
último tição de fogo arrebatado à onça por um índio ingrato (ver o conto “Por
que onça não gosta de gente”). O azulão sempre fora amigo da onça, e por isso,
penalizado, decidiu fazer algo para ajudar a bichana.
Ligeirinho, o azulão saiu voando por tudo e descobriu os dois olhos perdidos.
(O tamanduá, depois de ter cegado a onça, tratara de dar no pé.) Depois,
retornou até a felina e disse:
– Fique quieta, vou recolocar os seus olhos.
– Oh, azulão querido! Serei eternamente grata a você! – choramingou a
onça.
Num trabalho de altíssima precisão cirúrgica, o azulão reintroduziu os dois
olhos da onça em suas respectivas órbitas, colando-os com uma resina de árvore.
– Pronto, aí está! – disse o azulão.
A onça abriu os olhos e viu tudo claro outra vez, inclusive a avezinha, que
já estava trepada no topo de um galho altíssimo (pois ela não era boba nem
nada).
– Agora aquele canalha do tamanduá me paga! – rugiu a onça, disparando
atrás do seu malfeitor.
O tamanduá corria feito um pé de vento, mas a onça, mesmo estando
muito atrás, não desistia, e tanto perseguiu o inimigo que este acabou cansando.
– O jeito é me esconder neste buraco de tatu! – disse ele, arfante, se
enfiando no chão.
Miséria era que o buraco fosse infinitamente menor que ele, e por isso suas
pernas compridas acabaram ficando de fora. Quando a onça chegou, foi uma
festa.
– Estas pernas me pertencem! – disse ela, e num salto abocanhou e cortou
pela metade as pernas do tamanduá.
Depois disso, o tamanduá passou a andar com aquelas pernas curtas que
todo mundo conhece. Mas, em compensação, acabou desenvolvendo os braços, e
é com o seu famoso “abraço de tamanduá” que esse valoroso mamífero se
defende, desde então, da onça e dos seus inimigos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário