sábado, 5 de novembro de 2016

CONSCRITO 765

BAHIRA E O RAPTO DO FOGO


Histórias sobre raptos do fogo são tão antigas quanto o homem. Já vimos
anteriormente a versão dos índios tembés para o tema, na lenda “O Furto do
Fogo”. Agora, é a vez de conhecermos a versão dos parintintins para esse
episódio. Tal como na primeira lenda, também aqui o urubu é considerado o
dono do fogo. Ele não o concedia a ninguém, e os homens não sabiam o que era
utilizar-se das chamas para cozinhar uma comida ou aquecer-se do frio. O sol
era a única fonte de calor, e era nele que os homens buscavam remediar a sua
privação. Mas mesmo assim eles sentiam a necessidade de terem em seu poder
o uso direto das chamas.
Isso foi assim, até que um dia eles resolveram recorrer a Bahira, um
semideus civilizador das matas.
– Traga-nos o fogo que o urubu-rei não nos quer conceder.
Penalizado dos homens, Bahira armou um plano. Após deitar-se no meio
da floresta, fingiu-se de morto, cobrindo o corpo com sinais falsos de putrefação,
a fim de atrair o apetite do Senhor do Fogo.
Quem chegou primeiro foi a mosca varejeira. Após passear por todo o
corpo inerte do semideus, ela foi levar a notícia ao urubu-rei.
Sem hesitar, o urubu envergou seu casaco negro de penas e mergulhou na
direção da terra. Ao ver o corpo de Bahira, pousou e começou a preparar o fogo
para assá-lo. Bahira, com um olho entreaberto, viu quando o urubu depositou a
preciosa chama sobre os gravetos e, num pulo, apoderou-se dela.
– Ladrão! – gritou a ave, agitando as asas.
Bahira disparou na corrida enquanto o urubu dava aos céus o seu grito de
alerta:
– Aqui, todos!
Uma nuvem de urubus desceu dos céus, e todos se puseram no encalço do
semideus. Bahira enfiou-se num tronco oco e saiu pelo outro lado. Os urubus
fizeram o mesmo. Depois, meteu-se numa brenha de taquaras, e ali os urubus
não conseguiram penetrar.
– Ufa, acho que consegui! – suspirou baixinho o semideus.
Então, depois que os urubus já tinham se dispersado, resignados com a
derrota, ele abandonou o seu esconderijo e foi até a beira do rio. Ao ver uma
cobra d’água passar, apanhou-a e, depois de colocar o tição de fogo nas suas
costas, disse:
– Vá, minha amiga. Atravesse o rio e leve o fogo até os índios.
A cobra começou a nadar, mas o fogo em suas costas ardia tanto que ela
acabou sucumbindo no meio da jornada. A correnteza trouxe o seu corpo
enegrecido de volta à margem onde estava o semideus.
O camarão passava por ali, e Bahira o apanhou.
– Você é o mensageiro certo para conduzir o fogo! – disse ele, encravando
a chama nas costas do crustáceo, que pôs-se a nadar rio adentro.
Quase no fim do trajeto, porém, ele também sucumbiu à terrível ardência.
– Maldição! – exclamou o semideus, ao receber de volta o cadáver
vermelho do camarão.

Então, ao erguer em desespero os olhos para o céu, avistou a saracura.
– É isto, o fogo irá pelos céus!
A ave recebeu o fogo nas costas e levantou voo, mas, antes de chegar à
outra margem, faltou-lhe o fôlego e ela caiu dentro d’água, queimada.
Nesse momento, Bahira avistou o mensageiro ideal: o sapo-cururu. Diziase que essa criatura dos brejos tinha o hábito de ingerir brasas, pensando tratar-se
de vaga-lumes. Bahira o fez engolir a brasa e jogou-o na água.
Desta vez tudo correu bem, e o sapo regurgitou a brasa assim que pulou
para a terra, entregando-a aos índios parintintins. Em recompensa, foi premiado
com a suprema honra de tornar-se pajé da aldeia.
  


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