A MÁSCARA DA SUCURI
Nos dias antigos, os índios parintintins caçavam todo e qualquer animal à
mão, pois desconheciam o uso da flecha ou de qualquer outra arma. Assim,
quando saíam para caçar, na maioria das vezes se viam transformados eles
próprios na caça.
Então, certo dia, Bahira, o semideus dessa tribo, decidiu dar mais uma
ajuda aos seus protegidos. Cortou uma casca grande de árvore e começou a
modelá-la com as mãos até torná-la uma máscara com as feições idênticas à de
uma sucuri. Ao julgá-la pronta, colocou o artefato na cara e viu que todos os
macacos trepados nas árvores fugiram, com os dentes arreganhados de puro
terror.
Bahira mergulhou então nas águas e desceu a correnteza até alcançar uma
tribo vizinha rival. Os habitantes daquela aldeia eram exímios fabricantes de
flechas e recusavam-se a ensinar sua arte aos índios rivais. Mas Bahira estava
decidido a arrancar-lhes, se não o segredo da confecção das flechas, pelo menos
algumas delas para que os seus protegidos pudessem dispor dessas armas
também.
Bahira deslizou mais um pouco, sob a corrente, até passar bem ao lado da
aldeia. Então, suspendendo a cabeça mascarada, começou a sibilar como uma
verdadeira sucuri.
Os índios, ao verem aquela cobra monstruosa, correram até os seus arcos e
começaram a alvejá-la com uma verdadeira saraivada de flechas.
O semideus deixou que as flechas se encravassem todas na sua máscara,
de tal sorte que, quando ele retornou para a sua aldeia, mais parecia a máscara
de um porco-espinho do que a de uma cobra.
Os parintintins pegaram as flechas e comemoraram o feito com uma
grande pajelança. No meio da festa, porém, um índio decidiu que poderia repetir
a proeza com muito mais sucesso.
“Vou fazer uma máscara para o corpo inteiro e voltar coberto de
flechas!”, pensou ele, antegozando o sabor do triunfo.
No mesmo instante ele abandonou a festa e foi para a mata fabricar a sua
máscara, e já na manhã seguinte, bem cedinho, mergulhava nas águas do rio
para perpetrar seu feito ainda maior.
Quando chegou à aldeia rival, o índio pôs-se a silvar e espadanar água para
todos os lados.
– Vejam, outra sucuri maldita! – gritou o cacique da tribo.
Então, tomando de uma flecha pontuda – a mais pontuda e mortífera das
que havia na aldeia –, ele arremessou-a bem na cabeça do índio fantasiado de
cobra. A seta atravessou a sua cabeça e ele caiu morto dentro d’água, sem a
necessidade de mais nenhuma outra flecha.
Seu corpo foi retirado imediatamente do rio e assado na grelha.
Nesse meio-tempo, chegara à aldeia Bahira, pois já descobrira tudo o que
o índio tramara.
– Grande cacique, venho buscar um homem imprudente da minha tribo –
disse o semideus.
O cacique apontou para a grelha, onde chiavam os pedaços esquartejados
do pobre índio.
– Pode escolher o pedaço que mais lhe agradar – disse o morubixaba.
Bahira foi até a grelha e encontrou apenas alguns pedaços que haviam
restado do festim. Não era muita coisa, mas Bahira, decidido a levar a coisa até o
fim, começou a assoprá-los, a fim de que tornassem à vida. Deu mais ou menos
certo: só parte do corpo do índio surgiu. Infelizmente, o restante do corpo já havia
sido devorado pelos indígenas.
No fim das contas, Bahira meteu tudo num cesto e, durante o caminho de
retorno, foi lançando os restos do índio pela mata. Ao caírem no solo, eles foram
se transformando em animais, tais como a cotia e o quati.
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