A RAPOSINHA
Este conto narra as peripécias que um príncipe passou para arrumar um
remédio para o seu pai cego.
Diz-se, então, que o príncipe, depois de muito andar, chegou a um lugar
onde um grupo de homens ocupava-se em surrar um defunto com um pau.
– Monstros! Por que cometem tal atrocidade? – gritou ele, indignado.
– Este homem era um caloteiro! – explicou o chefe do bando.
– Mas ele está morto!
– E daí? Em nossa cidade, a lei é severa para com os corruptos e os
desonestos, e nem mesmo os mortos escapam à punição!
– Quanto ele devia? – disse o príncipe, e pagou o que o defunto devia. –
Agora, enterrem-no como a um cristão.
Depois disso, o príncipe seguiu adiante até dar com uma raposinha.
– Aonde vai, meu príncipe? – disse a raposa.
– Vou em busca de um remédio para os olhos do meu pai.
– Pois saiba que remédio para olho de rei cego só há um: cocô de
papagaio.
– E onde encontro cocô do papagaio? – disse o príncipe.
– No Reino dos Papagaios, naturalmente – respondeu a raposa.
– Onde fica esse reino?
A raposa ensinou o caminho e depois completou:
– Chegue lá à meia-noite e escolha o papagaio mais triste da gaiola mais
tosca que houver.
O príncipe foi e encontrou o tal reino. Ao entrar nele, viu gaiolas de todos
os tipos e formatos penduradas por toda parte. Todas eram de ouro, e cada qual
trazia dentro um papagaio mais saudável, feliz e tagarela que os outros. Não é
preciso dizer que o príncipe agarrou a gaiola mais bonita que viu.
Lá no fim da cidade, no bairro dos papagaios pobres, estava uma gaiola de
pau, coberta de excrementos e com um papagaio todo triste no seu interior, que o
príncipe nem viu.
O príncipe já ia cruzando o portão da cidade quando o papagaio da gaiola
de ouro gritou, alertando os guardas.
– Muito bem, espertinho, o que leva aí? – disse o guarda, um enorme
papagaio.
O príncipe explicou o seu drama até comover o papagaião.
– Muito bem, mas só levará a gaiola se trouxer antes uma espada do Reino
das Espadas.
O príncipe suspirou e, depois de largar a gaiola, foi em busca do tal Reino.
– Sempre essas repetições! – disse ele, chutando uma pedra que quase
acertou o focinho da raposa, que andava perambulando pela estrada.
– O que resmunga aí, meu príncipe? – disse ela.
Ele explicou, e a raposa, desgostosa, abanou a cabeça.
– Tsc, tsc, tsc! Eu não disse para pegar a gaiola mais tosca? Pois agora vá
ao Reino das Espadas e faça como eu digo: entre à meia-noite e pegue a espada
mais fajuta que houver.
Não é preciso dizer que o príncipe foi e pegou a espada mais bela que
havia, toda de ouro, deixando de lado a mais feia. Na saída, a espada deu um
estalo, e o guarda barrou a passagem do príncipe.
– Vá ao Reino dos Cavalos e me traga um de lá. Só então poderá levar a
espada.
O príncipe quase desmaiou de raiva.
E atirou-se, de uma vez, para o Reino Amaldiçoado dos Cavalos.
A esta altura, já sabemos tudo o que se passou: o príncipe cruzou com a
raposa, ouviu dela uma nova repreensão e escutou o conselho de escolher o
pangaré mais feio que houvesse no reino.
Algumas horas se passaram, e vemos, agora, o príncipe montado no mais
belo puro-sangue, a deixar o Reino dos Cavalos. Então, o cavalo relinchou, e
começou tudo outra vez.
– Aonde vai com nosso melhor cavalo? – relinchou o guarda.
O príncipe explicou.
– Pois só pode levar o cavalo se furtar a filha do rei – retrucou o cavalo.
O príncipe partiu, muito aliviado. O pesadelo das repetições parecia ter-se
acabado! No caminho, ele cruzou pela última vez com a raposa.
– Aonde vai? – disse ela.
O príncipe explicou mais uma vez.
A raposa olhou bem o príncipe nos olhos e disse, muito solenemente:
– Muito bem, chegou a hora da revelação: eu sou a alma daquele caloteiro
que os cobradores surravam. Infelizmente, você não ouviu meus conselhos, e por
isso toda essa confusão.
Então, a raposa disse ao príncipe o que ele deveria fazer, e desta vez ele fez
direitinho. Para começar, furtou a princesa. Depois, pegou o pangaré no Reino
dos Cavalos, a espada ferruginosa no Reino das Espadas e o papagaio triste no
Reino dos Papagaios.
Quando já ia no caminho de casa, encontrou seus irmãos, uns malvados
que logo conceberam um plano para se apossarem de tudo o que ele trazia.
– O que está fazendo nesta estrada cheia de ladrões? – disseram eles,
falsamente zelosos. – Tome aquele atalho, pois só assim chegará ao nosso palácio
são e salvo.
Ao tomar o atalho deserto, ele encontrou novamente os irmãos, que o
amarraram e o lançaram numa cova para morrer.
– Essas coisas nós mesmos levaremos! – disseram eles, carregando a
princesa, o cavalo e o restante que o príncipe trouxera.
Ao chegarem diante do rei, porém, a princesa ficou feia, o papagaio ficou
ainda mais triste, a espada desmanchou-se e o cavalo cobriu-se de sarnas.
– Patifes! Que gracejo é este? – disse o rei, que apesar de cego não era
bobo. – Prendam-nos na mais profunda masmorra!
Logo que os maus filhos foram aprisionados, o príncipe deambulador
chegou, radiante. A raposa, num último ato de gratidão, libertara-o da cova, e ele
agora já podia apresentar-se diante do pai.
Assim que o príncipe colocou os pés no palácio, a princesa voltou a ser
bela, a espada tornou-se de ouro, o cavalo engordou, e o papagaio deixou de ser
triste.
O rei cego teve seus olhos besuntados e passou, desde então, a enxergar.
Quanto ao príncipe, casou-se com a princesa e viveu com ela feliz para
sempre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário