domingo, 6 de novembro de 2016

CONSCRITO 791

A FESTA NO CÉU


Este conto é um dos mais famosos do gênero etiológico, ou seja, daquele
que explica o porquê de as coisas serem como são. Apesar da sua fauna
abundante sugerir um conto puramente brasileiro, é certo que se trata de fábula
importada desde o mais longínquo Oriente. Esopo, Fedro, La Fontaine e quase
todos os fabulistas do mundo recontaram esta lenda que pretende explicar a razão
de o sapo – ou, dependendo da versão, a tartaruga ou o jabuti – ter o corpo cheio
de remendos.
Diz-se, então, que, certa feita, anunciou-se uma festa no céu. Todas as aves
foram convidadas, mas o sapo, ao saber da coisa, também quis ir.
– Você? – disse-lhe um grou, num tom de deboche. – E como pensa chegar
ao céu?
O sapo piscou os olhos arregalados várias vezes, como quem é
surpreendido por uma boa pergunta.
– Bem, eu dou um jeito – disse ele, deixando a questão para depois.
Mas que ele iria, iria.
No mesmo dia, o sapo foi visitar o urubu, que era o tocador de viola oficial
dos bailes celestiais.
– Olá, compadre urubu – disse ele, saltitando.
– Como vai, compadre sapo? – respondeu o urubu, enquanto afinava a sua
viola.
O urubu tirou alguns acordes, quase sem dar pela presença do amigo, e
tornou a falar.
– É verdade o que andam dizendo por aí?
– Dizendo o quê?
– Que você vai à festa no céu.
– Sim, com toda a certeza.
O urubu dedilhou as cordas mais um pouco e não tocou mais no assunto.
Dali a pouco, o sapo fez menção de partir.
– Bem, já vou indo para a festa.
– Já?! Um dia antes?
– Claro. Como não tenho asas, devo partir bem antes que os demais.
O sapo partiu, saltitando, enquanto o urubu ficou a sorrir de piedade.
– Coitado! Nem todos conseguem se conformar com suas limitações!
Verdade é que ele poderia ter ido além da comiseração e oferecido uma
carona ao sapo. Mas isso seria uma amolação, afinal, e ele não era tão amigo do
sapo assim para incomodar-se por ele.
Ao ver, então, que se livrara do sapo, o urubu levantou-se para ir fechar a
casa. Nesse momento, porém, o sapo, que não tinha ido embora coisa nenhuma,
retornou escondido e entrou de novo pelos fundos, indo meter-se ligeiro no

interior da viola.
– Pronto, agora é ficar bem quietinho! – disse, encolhendo-se todo no fundo
do instrumento.
Na manhã seguinte, o urubu levantou voo na direção do céu, levando a
tiracolo a viola. O sapo fez toda a viagem ali dentro, sem se mexer, e foi assim
que chegou ao céu junto com o amigo carniceiro.
Quando a festa ia começar, o urubu deu os primeiros acordes na viola e
um ronco grotesco se fez ouvir de dentro do instrumento.
– Ora, mas eu afinei-a direitinho ontem à noite! – disse o urubu,
desculpando-se.
– Esse tal de urubu já foi violeiro! Já foi...! – disse, de bico empinado, uma
garça antipática.
O urubu fuzilou a garça com um olhar e, depois de afinar novamente, uma
por uma, as dez cordas da viola, começou uma nova modinha.
– Coach! – fez algo no tampo, quebrando toda a harmonia dos acordes.
Um coro viperino de risos ecoou pelo céu.
Só então o sapo, surgindo por entre as cordas, fez a sua aparição triunfal.
O urubu, ferido no mais profundo da sua vaidade artística, sentiu ganas de
estrangular o intruso nas cordas, e só não o fez porque o sapo foi muito bem
recebido por todos.
Ah, ah, ah!, isto é que era ser engraçado!, diziam todos, vertendo lágrimas
de riso, enquanto o urubu, de perna trançada, entortava o bico.
Quando tudo cessou, porém, a festa começou e se estendeu por todo o dia,
entrando noite adentro. O baile foi um sucesso tremendo: todo mundo dançou,
comeu, bebeu à vontade, até que, chegada a hora do encerramento, cada qual
tratou de partir.
Quanto ao sapo, retornou do mesmo modo que viera, dentro da viola do
urubu.
– Pode vir, amigão! – disse o violeiro, como quem já esquecera o mau
gracejo.
Quando retornavam, porém, em pleno ar, o urubu tomou a viola e tocou
alguns acordes, chacoalhando o instrumento com tanta força que o sapo saltou
para fora, caindo no abismo.
O pobre sapo veio rebolando pelo ar até esborrachar-se nas pedras,
partindo-se em vários pedaços. Diz-se, porém, que Deus ficou tão sentido com a
sua sorte que rejuntou todas as partes, recosturando o couro por cima, e é por isto
que o sapo tem, até hoje, a pele toda remendada.
  

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